20.8.23

Discurso "O Grande Ditador"

 

Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício.

Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja.

Gostaria de ajudar a todos - se possível - judeus, o gentio... negros... brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim.

Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A próxima natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós.

Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes.

Aos que me podem ouvir eu digo: "Não desespereis!" A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão!

Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos.

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder - o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto - em nome da democracia - usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos.

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês, Hannah?! O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

Responda:

1.  O texto apresenta um claro posicionamento político. De que forma Chaplin chama as pessoas a se oporem ao totalitarismo?  

2. O discurso de Chaplin se mantém atual? Justifique.

Leis de Nuremberg

As Leis de Nuremberg, publicadas em 1935, avançaram muito na discriminação dos judeus alemães. Deram prova completa de que o nazismo, assim como o fascismo, pretendia controlar a vida privada das pessoas. Leia os trechos das leis abaixo e, em seguida, responda às questões.

Art. 1º

1. São proibidos os casamentos entre judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado. Os casamentos celebrados apesar dessa proibição são nulos e de nenhum efeito, mesmo que tenham sido contraídos no estrangeiro para iludir a aplicação desta lei.

2. Só o procurador pode propor a declaração de nulidade.

Art. 2º - As relações extra-matrimoniais entre Judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado são proibidas.

Art. 3º - Os Judeus são proibidos de terem como criados em sua casa cidadãos de sangue alemão ou aparentado com menos de 45 anos...

Art. 4º - 

1. Os Judeus ficam proibidos de içar a bandeira nacional do Reich e de envergarem as cores do Reich.

2. Mas são autorizados a engalanarem-se com as cores judaicas. O exercício dessa autorização é protegido pelo Estado.

Art. 5º

1. Quem infringir o artigo 1º será condenado a trabalhos forçados.

2. Quem infringir o artigo 2º será condenado a prisão ou trabalhos forçados.

3. Quem infringir os arts. 3º e 4º será condenado à prisão que poderá ir até um ano e multa, ou a uma ou outra destas duas penas.

Art. 6º - O Ministro do Interior do Reich, com o assentimento do representante do Führer e do Ministro da Justiça, publicará as disposições jurídicas e administrativas necessárias à aplicação desta lei.

Responda:

1. Com base nos artigos 1º e 2º, é possível afirmar que a sociedade alemã discriminava os judeus ou, pelo contrário, mal se distinguia, nas relações entre os alemães, a origem judaica ou cristã dos indivíduos?

2. É possível afirmar, com base no artigo 4º, que o nazismo respeitava alguns dos direitos dos judeus como cidadãos alemães?

Carta del Lavoro

Em abril de 1927 o governo italiano instituiu a Carta del Lavoro (Carta do Trabalho). Leia, a seguir, um trecho deste documento.

I - A Nação italiana é um organismo com finalidades, vida, meios, de ação superior, em poder e duração, à ação dos indivíduos, agrupados ou separados, que a compõem. É uma unidade moral, política e econômica, que se realiza integralmente no Estado fascista.

II - O trabalho, em todas as suas formas de organização e execução, intelectuais, técnicas, manuais, é um dever social. Por isso, e somente por isso, é tutelado pelo Estado. (...)

III - A organização sindical ou profissional é livre. Mas, só o sindicato legalmente reconhecido e subordinado ao controle do Estado tem direito de representar legalmente toda a categoria dos empregadores ou dos trabalhadores, em virtude da qual é constituído; de defender seus interesses perante o Estado e às demais associações profissionais; de celebrar contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os membros da categoria; de impor a eles contribuições e de exercer, com respeito aos mesmos, funções delegadas de interesse público. (...)

VI - As associações profissionais legalmente reconhecidas asseguram a igualdade jurídica entre os empregadores e os empregados, mantendo a disciplina da produção e do trabalho, promovendo o seu aperfeiçoamento. As corporações constituem a organização unitária das forças de produção, representando integralmente seus interesses.  Devido a esta representação integral, sendo os interesses da produção, interesses nacionais, as corporações são reconhecidas por lei como órgãos do Estado. (...)

VII - O Estado corporativo considera a iniciativa privada no âmbito da produção, como sendo o instrumento mais eficaz e mais útil ao interesse da Nação. Sendo a organização privada da produção, uma função de interesse nacional, o empresário é o responsável pela produção perante o Estado. Da colaboração das forças produtivas, resulta uma reciprocidade de direitos e deveres. O trabalhador, técnico, empregado ou operário, é um colaborador ativo da empresa econômica, cuja direção cabe ao empresário, que é o responsável.

Responda:

1.  Que tipo de documento é esse? Quando e por quem foi instituído?

2.  De que forma o documento apresenta a “nação italiana”?

3. Como esse documento apresenta:

a. O trabalho

b. A organização dos trabalhadores

c. A iniciativa privada e sua relação com o fascismo


26.6.23

O Fardo do Homem Branco

 Leia o poema e reflita sobre as seguintes questões:

1. Como o “homem branco” é apresentado no poema?

2. Que palavras e expressões o autor utiliza para se referir aos povos colonizados?

3. Que ideia o autor transmite ao designar o imperialismo como “o fardo do homem branco”?

4. Qual era o “fim que todos procuram” (3ª estrofe)?

5. Na sua opinião, em que ideias, crenças ou visão de mundo o poema se baseia?


I

Tomai o fardo do Homem Branco

Envia teus melhores filhos

Vão, condenem teus filhos ao exílio

Para atender as necessidades de seus cativos;

Para servir, com pesados chicotes

O povo agitador e selvagem

Seus novos-cativos, povos agressivos,

Metade demônio, metade criança.

 

II

Tomai o fardo do Homem Branco

Com paciência para suportar.

Oculte o terror ameaçador

E controle a demonstração de orgulho;

Pela palavra suave e simples,

Explicando centenas de vezes,

Busque o benefício de outrem

E trabalhe para o ganho de outrem

 

III

Tomai o fardo do Homem Branco

As guerras selvagens pela paz –

Encha a boca dos famintos,

E proclama o fim das doenças

E quando seu objetivo estiver próximo

(O fim que todos procuram)

Olha a indolência e loucura pagã

Destruindo todas suas esperanças.

 

IV

Tomai o fardo do Homem Branco

Sem a mão de ferro dos reis,

Mas, sim, servir e trabalhar

A história das coisas comuns.

Os portos que não deves entrar,

As estradas que não deves passar,

Vá, construa-as com a sua vida

E marque-as com seus mortos

 

V

Tomai o fardo do Homem Branco

E colha sua antiga recompensa

A culpa daqueles que você tornou melhor

O ódio daqueles que você guarda

O choro das multidões que você ouve

(Ah, devagar!) em direção à luz:

"Por que nos tiraste da escravidão,

Nossa amada noite egípcia?”

 

VI

Tomai o fardo do Homem Branco

Não tente impedir

Nem clame alto pela Liberdade

Para ocultar sua fadiga

Por tudo que deseja ou sussurra

Por tudo que faça ou deixa de fazer

Os povos soturnos e melancólicos

Medirão seu Deus e você.

 

Tomai o fardo do Homem Branco!

Acabaram-se seus dias de criança

O prêmio oferecido suavemente

O elogio fácil e glorioso

Venha agora, procura sua virilidade

Por todos os anos difíceis,

Frios, afiados com a sabedoria adquirida,

O reconhecimento de seus pares! (*)

Música - Fela Kuti

 


Capa do álbum Gentleman, de 1973.

Fela Kuti – Gentleman (Cavalheiro) - 1973


Tradução da letra para o português


Eu não sou cavalheiro nenhum

Eu não sou cavalheiro nenhum

Eu não sou cavalheiro nenhum oh

Eu não sou cavalheiro nenhum, nenhum oh

 

[Refrão]

Eu não sou cavalheiro nenhum!

Eu sou homem da África, original

Eu sou homem da África, original

 

 

Eles te chamam, fazem você vir cortar

Você corta pequeno, você diz que sua barriga está cheia

Você diz que é cavalheiro

Você passa fome

Você sofre

Você apaga

Eu não sou cavalheiro como esse

 

[Refrão]

 

Você segue o seu caminho, o caminho de jeje

Alguém trouxe o problema original

Você não fala, você não age

Você diz que é cavalheiro

Você sofre

Você cansa

Você apaga

Eu não sou cavalheiro como esse

 

[Refrão]

 

A África é quente, eu gosto, sou assim

Eu sei o que vestir, mas meus amigos não sabem

Ele coloca meias, ele coloca sapato

Ele coloca calça, ele coloca regata

Ele coloca calças, ele coloca camisa

Ele coloca gravata, ele coloca casaco

Ele vai se cobrir todo com chapéu

Ele é cavalheiro

Ele irá suar todo

Ele irá desmaiar e cair no chão

Ele irá cheirar a merda

Ele irá se mijar todo, ele não vai nem saber

Eu não sou cavalheiro como esse

 

[Refrão]

 

Versão original em inglês


I no be gentleman at all

I no be gentleman at all

I no be gentleman at all o

I no be gentleman at all, at all

 

[Chorus]

I no be gentleman at all o!

 I be Africa man original

I be Africa man original

 

Them call you, make you come chop

You chop small, you say you belly full

You say you be gentleman

You go hungry

You go suffer

You go quench

Me I no be gentleman like that

 

[Chorus]


You dey go your way, the jeje way

Somebody come bring original trouble

You no talk, you no act

You say you be gentleman

You go suffer

You go tire

You go quench

Me I no be gentleman like that

 

[Chorus]


Africa hot, I like am so

I know what to wear but my friends don't know

Him put him socks, him put him shoe

Him put him pant, him put him singlet

Him put him trouser, him put him shirt

Him put him tie, him put him coat

Him come cover all with him hat

Him be gentleman

Him go sweat all over

Him go faint right down

Him go smell like shit

Him go piss for body, him no go know

Me I no be gentleman like that

 

[Chorus]

1.6.23

Uma artista italiana se tornou a primeira superestrela feminina do Renascimento

Sofonisba Anguissola foi excepcional em muitos níveis: ela ganhou fama em sua vida como uma das primeiras mulheres que pintaram seu caminho para fora do âmbito doméstico e, mais tarde, para os museus de arte do mundo.

Sofonisba nasceu por volta do ano de 1532 em Cremona, norte da atual Itália, à época domínio espanhol. Seu pai encorajou todas as filhas, em número de seis, a obter um alto nível de educação e cultivar as artes. O talento de Sofonisba logo se tornou óbvio demais para ser ignorado.

Auto-retrato em miniatura de Sofonisba, de 1556. Scala, Florença, Itália.


Na Itália do século XVI, as jovens que queriam se tornar pintoras não podiam ser aprendizes em ateliês profissionais. A única esperança para as artistas femininas iniciantes era receber aulas de parentes do sexo masculino. Como seu pai não era artista, ele deu o passo inusitado de permitir que Sofonisba estudasse com o pintor Bernardino Campi quando ela tinha cerca de 14 anos.

Sofonisba estudou até o final da adolescência e início dos 20 anos com Campi e depois com Bernardino Gatti. Aos 22, conheceu Michelangelo. Impressionado com seu talento, ele se ofereceu para ajudá-la e forneceu comentários e críticas sobre seu trabalho. Em 1562, um amigo de Michelangelo escreveu ao duque de Florença, Cosimo I, anexando um dos esboços de Sofonisba, uma obra intitulada “Um menino mordido por uma lagosta”. A relação entre a jovem e o gênio idoso era conduzida por meio de cartas, supervisionadas pelo pai. Apesar das limitações de seus encontros como mulher, o efeito de seu desenho foi profundo.


"Um retrato das irmãs da artista jogando xadrez", 1555. Museu Nacional, Poznan, Polônia.

O brilho de Sofonisba chamou a atenção do governador espanhol de Milão, o duque de Sessa. Ele recomendou sua nomeação para a corte do rei espanhol Filipe II. Enquanto Sofonisba era tecnicamente a dama de companhia da rainha Isabel de Valois, ela na verdade serviu como pintora de retratos da família real.

A longa permanência de Sofonisba em Madrid foi marcada por amizades estreitas, especialmente com a rainha Isabel, que à chegada a Madrid tinha apenas 14 anos. Sua posição na corte, onde ela era altamente considerada, permitiu que ela alcançasse uma fama quase sem precedentes para uma artista feminina. As várias pensões concedidas pelo rei atestam sua alta posição no palácio.

Muitos historiadores da arte agora acreditam que algumas das obras de Sofonisba Anguissola foram erroneamente atribuídas a outros pintores – principalmente o pintor-chefe da corte, Alonso Sánchez Coello. Uma das pinturas mais famosas que podem ter sido pintadas por ela foi "Lady in a Fur Wrap". Por muitos anos a pintura foi atribuída a El Greco, o artista nascido em Creta que viveu na Espanha. Outra obra que teve sua autoria contestada é “O retrato da princesa Catalina”.


Lady in a Fur Wrap. 1575-79.


Em 1573, o rei Filipe aprovou o casamento de Sofonisba com um nobre siciliano, Fabrizio Moncada. O casal instalou-se na Sicília, mas o casamento foi interrompido pela morte de Fabrice, às mãos de piratas, em 1579. Os detalhes da vida de Sofonisba na ilha são escassos, mas parece que ela continuou trabalhando. Em 2008, pesquisadores confirmaram a descoberta de um documento que comprova a autoria de Sofonisba de uma pintura de uma Madona na igreja siciliana de Santa Maria de la Annunziata, em Paternò, a qual foi atribuída erroneamente a outro autor.

Sofonisba Anguissola viveu até os 93 anos. Morreu em 1625 em Palermo, na Sicília. Seu segundo marido gravou estas palavras em seu túmulo na igreja de San Giorgio dei Genovesi: “Para Sophonisba, uma das mulheres ilustres do mundo por sua beleza e por suas extraordinárias habilidades naturais, tão distinta em retratar a imagem humana que ninguém de seu tempo poderia igualá-la.”

 

Retirado de: https://www.nationalgeographic.com/history/history-magazine/article/this-italian-artist-became-the-first-female-renaissance-superstar acesso em 26-05-2022

2.5.23

Líderes abolicionistas

Na década de 1880 ocorreu o que ficou denominado como movimento abolicionista, que almejava o final da escravidão, o que ocorreu com a Lei Áurea, de 1888. Este movimento, que foi o primeiro movimento de massas da história brasileira, se espalhou por diversos grupos sociais e se materializou por meio da fundação de associações, clubes, jornais que defendiam a causa, além, é claro, do protagonismo dos escravizados por meio de fugas, revoltas e formação de quilombos. Neste processo, destacaram-se alguns líderes negros e este texto é para apresentar três deles. 

Luís Gama (1830-82), nascido livre na Bahia, era o filho de um fidalgo português e da africana Luísa Mahin. Foi vendido como escravo pelo próprio pai, tendo sido embarcado primeiro para o Rio de Janeiro, em seguida para São Paulo. Depois de ter conseguido se alfabetizar, Gama reconquistou sua liberdade e, além de se tornar literato e jornalista brilhante, se fez rábula (atuava sem formação jurídica) para defender judicialmente escravizados que a ele recorriam com as mais diferentes contendas, inclusive aqueles interessados em reivindicar carta de alforria para si ou para os seus. 

Ele sustentava publicamente que a escravidão era um roubo, por estar assentada numa transação ilegal, já que o tráfico atlântico havia sido proibido em 1831. Sua ousada atuação nos tribunais e na imprensa, bem como a participação em sociedades abolicionistas, interferiu nos encaminhamentos da chamada “questão servil”. Gama foi incisivo, como poucos, na exposição do quanto escravidão e racismo se entrelaçavam na cultura brasileira. 

No decisivo ano de 1880 foi criada, na corte, a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, inspirada na British and Foreign Society for the Abolition of Slavery. Ali estiveram reunidos dois importantes abolicionistas negros: José Carlos do Patrocínio (1854-1905) e André Rebouças (1838-98). 

Mais conhecido como Zé do Pato, Patrocínio, filho da quitandeira Justina Maria do Espírito Santo e do padre João Carlos Monteiro, foi jornalista. Formado em farmácia, ele conquistou popularidade por conta de seus discursos inflamados tanto nas tribunas quanto nas praças. Por considerar a abolição imediata e sem pagamento de indenização a principal questão nacional, defendia que a população deveria deixar de se comportar como “cordeiro submisso” da classe política e realizar tais intentos a qualquer custo. Na opinião dele, para extinguir a escravidão, todos os meios seriam “lícitos e bons”, mesmo que escapassem dos limites da legalidade. 

André Rebouças era filho de Antônio Pereira Rebouças, homem negro que se tornou conselheiro do Império, e de Carolina Pinto Rebouças. Formado em engenharia, André defendia que a abolição deveria ser parte de uma grande reforma nacional capaz de assegurar melhores condições de vida para os libertos, o que incluiria a concessão de terras e educação para crianças e adultos. Na perspectiva dele, as feridas abertas pelo crime que era a escravidão só poderiam cicatrizar com a garantia de certos direitos aos egressos do cativeiro. 

Porém, o sonho de Rebouças não foi cumprido. A Lei Áurea largou os ex-escravizados à sua própria sorte, e a população negra buscou alternativas de se incluir nos novos tempos. 

Fonte: SCHWARCZ, Lília e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2018.

14.4.23

A polêmica do hino rio-grandense

Ao se recusarem a permanecer em pé e a cantar o hino, vereadores da bancada negra da Câmara provocaram debate que vai além dos versos

Correio do Povo - 09/01/2021 - Por Henrique Massaro

 

Já fazia pelo menos dez anos que Matheus Gomes tinha a mesma postura sempre que o Hino Rio-Grandense era executado em eventos ou cerimônias oficiais. Como outros gaúchos negros, ele silenciava, principalmente devido aos dois últimos versos da quarta estrofe: “Povo que não tem virtude / Acaba por ser escravo”. Mas no dia 1º de janeiro de 2021, tomando posse como vereador de Porto Alegre pelo PSol, quando repetiu o gesto ao lado das outras quatro integrantes da maior bancada negra da história da Câmara, o manifesto tomou outra proporção.

Por mais que desde, pelo menos, a década de 1970, militantes e simpatizantes do movimento negro já se manifestassem contrários ao hino, nunca a discussão sobre haver racismo ou não em um dos símbolos do patriotismo gaúcho havia ganhado tanto espaço quanto no dia em que Gomes e as vereadoras Karen Santos (PSol) Laura Sito (PT), Bruna Rodrigues e Daiana Santos (PCdoB) se sentaram e se recusaram a cantar no Plenário Ana Terra. As discussões e reações, que ganharam projeção nos dias seguintes pela força das redes sociais, começaram no ato da posse.

A primeira delas foi da vereadora Comandante Nadia (DEM), que criticou os colegas. “O avanço de uma nação passa também pelo respeito aos símbolos”, afirmou a tenente-coronel da reserva da Brigada Militar na sessão. Em sua primeira questão de ordem como vereador, Gomes, que é historiador formado pela Universidade Federal do RS (Ufrgs), respondeu: “Não temos obrigação nenhuma de cantar um verso que diz que o nosso povo não tem virtude e, por isso, foi escravizado”.

A polêmica vai além da análise das nove palavras que formam os versos. Remete ao contexto histórico no qual a letra do hino foi inspirada, o da Revolução Farroupilha, que por sua vez está recheado de romantismos e mitos que tocam não só na paixão de tradicionalistas, mas no imaginário de boa parte da população gaúcha. Resultado de quase dois séculos de construções e contradições, a discussão não se encerra com a manifestação dos vereadores ou com a reação dos outros parlamentares, mas abre espaço para reflexão e a respeito do papel da história.

 

Há racismo no hino?

É impossível desassociar o hino Rio-Grandense da Revolução Farroupilha e a discussão racial em torno dele começa desde sua melodia, composta em 1838 pelo maestro Joaquim José de Mendanha. Natural de Minas Gerais, Mendanha era negro e estava à frente da banda do 2º Batalhão de Caçadores de Primeira Linha, do lado do Império, quando foi preso pelos farroupilhas na batalha do Barro Vermelho, na Vila de Rio Pardo. Aprisionado, o maestro compôs o hino da República Rio-Grandense. Mendanha teria sido obrigado a fazer a música, mas tradicionalistas argumentam que a composição pode ter sido espontânea pelo fato de o autor ter continuado vivendo no Rio Grande do Sul depois do fim da guerra.

A letra passou por mais de uma versão até chegar a uma próxima da atual, em 1933, escrita pelo poeta Francisco Pinto da Fontoura, conhecido como Chiquinho da Vovó. Mais de três décadas depois, em 1966, ainda passou pela última alteração, quando foi retirada uma estrofe, durante o período do governo militar: “Entre nós, reviva Atenas/ Para assombro dos tiranos/ Sejamos gregos na glória/ E na virtude, romanos.”

Voltando à polêmica atual, logo após a atitude dos vereadores na Câmara, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) veio a público negar que existisse racismo na letra. A entidade afirmou que, no seu entender, a frase que causa polêmica no hino faz referência à submissão da então Província de São Pedro ao Império e, portanto, não é discriminatória. Na nota, divulgada dois dias após a posse na Câmara, o MTG afirmou reconhecer a importância dos negros na revolução e na construção da identidade regional, manifestando respeito na promoção de atividades culturais, incluindo uma programação alusiva à Semana da Consciência Negra em 2020. “Enquanto a comunidade negra, na qual integrantes do próprio movimento se inserem, se prende a este tipo de polêmica, perde um precioso tempo de ser protagonista de uma nova história que cabe aos próprios negros e brancos escreverem”, afirmou, na nota, Julia Graziela Azambuja, que assinou como “negra e diretora do Departamento de Manifestações Individuais e Espontâneas do MTG”.

O diretor artístico do MTG, Valmir Bohmer, entende que os parlamentares não são obrigados a se postarem em pé durante a execução do hino e, apesar de se dizer aberto para discutir construções sociais, afirma que não é a favor de uma modificação. Sobre a Revolução Farroupilha, Bohmer defende a versão dos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) e que tem sido contraposta por historiadores nos últimos anos: a de que a República Rio-Grandense previa a liberdade para todos, incluindo os escravos. “Fatos lamentáveis como o ocorrido em Porongos (em que os negros escravizados do Império que lutavam ao lado dos farroupilhas foram traídos e mortos) e outros mais precisam de análise, mas não foram a base do hino.”

Ele também sugere que o verso envolvendo a palavra escravo pode ter relação com a estrofe que foi retirada em 1966, e não com os negros. Para embasar a ideia, cita uma frase atribuída ao pensador grego Epiteto (50 d.C – 135 d.C): “A escravidão do corpo é obra da sorte; a escravidão da alma obra do vício. Quem goza da liberdade do corpo é escravo se tem a alma acorrentada; quem tem a alma livre goza de toda a liberdade, embora carregado de enormes grilhões.” Por essa teoria, a estrofe mais polêmica do hino diria respeito à escravidão da alma, e não ao povo negro escravizado.

Bohmer comenta também que o autor da letra morreu muitos anos antes da atual versão ser aprovada e considera que, para encontrar racismo no hino, é necessária uma interpretação forçada. De acordo com ele, no entanto, o debate foi desvirtuado, e se tornou ideológico e extremista de ambos os lados. “O grande problema é a falta de respeito nos posicionamentos, tanto no lado que argumenta que não é, quanto do lado que argumenta que é racista”, avalia. O diretor do MTG afirma que sempre é possível fazer um reestudo histórico, mas defende que o hino é um símbolo do Estado e acredita que, no caso de votação popular, a maioria dos gaúchos seria favorável a manter a letra atual. “O MTG sempre estará a favor (da discussão), porque sempre busca a evolução do estudo, da pesquisa e da cultura, e é uma instituição que sempre rejeitou com veemência qualquer tipo de discriminação.”

No livro História Regional da Infâmia - O destino dos negros e outras iniquidades brasileiras (ou como se produzem os imaginários), o historiador e jornalista Juremir Machado da Silva evidenciou que a Revolução Farroupilha teve financiamento através da venda de negros escravizados no Uruguai. O fato é mostrado pelos pedidos de ressarcimento de Domingos José de Almeida à República e, depois, ao Império, que destinou verbas em 1845 para ressarcir os anistiados. Juremir comenta a polêmica frase do hino: “É curioso que as pessoas queiram tirar do contexto alegando que precisa-se ver o contexto da época”, observa, referindo-se ao discurso que relativiza a frase para negar que contenha racismo. “O contexto da época é de um país escravocrata, e quem são escravos? São os negros.” Acrescenta ainda que, além de não serem abolicionistas durante a Revolução, depois dela os revolucionários continuaram escravizando. Bento Gonçalves, por exemplo, presidente da República Rio-Grandense, morreu deixando 53 escravos. Para Juremir, a mudança da letra em 1966 é a prova de que o hino poderia ser revisto novamente, pois, mesmo que houvesse comprovação de que a frase não é racista, ela é, no mínimo, ofensiva para os negros.

Mas falar em modificar o hino passa por aceitar que a história ainda contada sobre a Revolução Farroupilha possa ser desconstruída “O passado todo tempo é revisto pelo presente”, explica Juremir, “porque coisas foram encobertas, distorcidas, inventadas ou mentidas”. No caso hipotético de votação popular, avalia, o resultado dependeria das informações que a população receberia, pois encontraria resistência em quem cultua uma revolução sem conhecer totalmente sua história.

O historiador Mário Maestri, doutor em História pela UCL, da Bélgica, tem uma visão que destoa de tradicionalistas, mas também de alguns historiadores. Ele entende que o hino Rio-Grandense é escravista porque a República Rio-Grandense também era. “Todos seus grandes chefes eram grandes escravistas, entre eles, o general Netto, que seguiu sendo um grande proprietário de cativos no norte do Uruguai depois da Farroupilha.” Porém, Maestri não acha que a polêmica estrofe faça referência ao escravizado negro, mas sim ao do espaço greco-romano. A palavra “povo”, por sua vez, segundo ele, refere-se apenas aos homens livres com algumas posses da época. Ele pontua, porém, que os chamados “homens bons” da época, na realidade, já consideravam os escravizados “sem virtude”. “A bancada negra da Câmara errou no particular e acertou no geral.”

 

História vs. tradicionalismo

O historiador e mestre em História pela PUCRS Jorge Euzébio Assumpção é radical com relação ao hino. Ele defende que não só os versos mais polêmicos, mas que toda a letra seja modificada, pois é uma exaltação dos feitos da Revolução Farroupilha, a qual a maior parte da população gaúcha foi contrária. Segundo ele, a estrofe em questão é racista pois espelha a mentalidade dos líderes farroupilhas, que mantinham a prática da escravidão na Constituição da República Rio-Grandense, assinada em Alegrete, em 1843. “Mesmo retirando a estrofe, não muda nada, porque era o pensamento dessa elite proprietária de escravos, de terras, que nada mais fez do que lutar pelos seus próprios interesses. Jamais se ouviu falar no ideal dos farrapos de uma reforma agrária, uma mudança para os pobres.”

A polêmica em torno do hino passa por uma discussão sobre tudo o que por muitos anos se ensinou sobre a Revolução Farroupilha, segundo ele uma manipulação histórica feita no final do século 19. Através do movimento do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) de Júlio de Castilhos, criou-se uma mitologia em torno dos farrapos.

Um dos fatos mais representativos quando se fala no suposto racismo relacionado à Guerra dos Farrapos é o Massacre de Porongos, em 1844. Como conta o historiador, o general David Canabarro, ao negociar a paz, combinou com Duque de Caxias – à época barão – a entrega dos negros escravizados do Império que haviam sido convencidos a lutar do lado dos farroupilhas em troca de liberdade. “Era um meio de não se cumprir essa promessa aos negros e de acabar com a guerra. Esses negros, postos em liberdade, poderiam ser uma ameaça ao regime, ir para o Uruguai, promover rebeliões nas senzalas.”

A liberdade aos negros, de acordo com o historiador, era o único empecilho para pôr fim aos confrontos. Após a negociação com Canabarro, Caxias ordenou ao coronel Francisco Pedro de Abreu, o Moringue, o ataque ao acampamento dos negros, que era separado do dos brancos e índios. “No conflito, poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro”, escreveu o então Barão de Caxias, como mostram documentos do Arquivo Histórico do RS A entrega dos Lanceiros Negros chegou a ser criticada, inclusive, por alguns líderes farroupilhas como Bento Gonçalves, que lamentaram a atitude de Canabarro. “A traição foi o mais vil ato da história gaúcha de que se tem notícia”, afirma Euzébio. O historiador defende a desconstrução do imaginário em torno da Revolução Farroupilha. Mas não se trata, de acordo com ele, de eliminar costumes, mas de separar o que é história e o que é folclore.

 

Obrigatoriedade de cantar

Quatro dias depois da cerimônia de posse, a polêmica envolvendo o hino ganhou um novo capítulo quando a vereadora Mônica Leal (PP) apresentou projeto de lei para tornar obrigatório que todos fiquem em pé e “em posição de respeito” durante a execução do hino Rio-Grandense no plenário. A proposta, que ainda precisa passar pelas comissões internas antes de ir à votação, acrescenta um inciso ao regimento interno do Legislativo. O objetivo, segundo ela, é garantir que a simbologia seja respeitada e pôr {m ao debate, que considera inadequado para o parlamento municipal.

“Essas polêmicas são frequentes e, para evitar essa perda de tempo, esse bate-boca, essa discussão, se estiver no regimento interno da Câmara, não vai ter o que fazer”, afirma. A manifestação de um vereador que se sinta discriminado pelo hino, na avaliação dela, não poderá ser a de se recusar a cantar e a ficar em pé. “Ele que saia, não participe do evento, é simples assim.” De acordo com a vereadora, manifestações como essa já haviam ocorrido durante a execução do hino na Casa, mas sempre por pessoas nas galerias. “Agora mudou de figura porque são parlamentares.”

Mônica, que com outros vereadores moveu recurso que, em 2018, fez com que a avenida da Legalidade e da Democracia voltasse a se chamar Castelo Branco [referência ao ditador brasileiro entre 1964 e 1967], entende que, além de não caber à Câmara buscar mudar o hino, não se pode alterar o que foi “consolidado ao longo da história”. Também acredita que não há racismo na letra. “Nunca achei, me chamou atenção essa preocupação de dizer que a estrofe é racista, fiquei até surpresa porque estamos vivendo uma era em que tudo é racismo, fico até preocupada.”

O vereador Matheus Gomes considera inconstitucional a proposta de Mônica Leal e acredita que o projeto sequer chegará a votação. Ele afirma que ainda estuda hipóteses de como a execução do hino poderia ser revista na Câmara, já que se trata de uma legislação estadual. Para modificar a letra, por exemplo, seria necessário um projeto de lei na Assembleia Legislativa. O artigo 27 da Lei Estadual 5.213, de 5 de janeiro de 1966 - que estabelece a bandeira, o hino e as armas da República Rio-Grandense como símbolos do Rio Grande do Sul - não fala sobre haver necessidade de executar o hino no parlamento municipal.

“O que eu fiz, na verdade, foi responder a uma tentativa de censura a um protesto que fizemos, e sugeri que a Câmara, sendo importante também para o Rio Grande do Sul, se coloque à disposição da sociedade porto-alegrense para debater formas de modificação das estrofes racistas”, destaca o vereador do PSol. Gomes pretende apresentar um projeto de lei para tornar obrigatório nas escolas municipais o ensino do Massacre de Porongos, mas acredita que a manifestação de 1º de janeiro possa ter sido o ponto de partida para uma discussão sobre a questão racial no Estado.

 

"O hino é a ponta do iceberg"

Para parlamentares como Karen Santos, que representava o PSol no plenário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) na sessão de 18 de dezembro de 2020, a diplomação dos eleitos poderia ser o início de um período de mais diversidade na Câmara. Naquele dia, acabou permanecendo em pé na execução do hino. Achou que, ficando sentada, criaria uma polêmica desnecessária para aquele momento.

Mas no dia 1º de janeiro, frustrações mudaram o cenário. Karen, que foi a mais votada na eleição de novembro, perdeu a disputa para o cargo de presidente da Casa para Márcio Bins Ely (PDT), por 26 votos a 10. Pelo mesmo placar, em função do acordo dos demais partidos, nenhuma das legendas de oposição - PSol, PT e PCdoB, onde estão os únicos cinco vereadores negros - foi representada na Mesa Diretora. Após isso, durante a execução do hino, Karen, assim como Gomes e as outras vereadoras da bancada negra, não hesitou em se sentar e silenciar.

Tratou-se de uma manifestação para que fosse aberto um debate, que, segundo ela, foi desvirtuado. “O principal problema da nossa posse foi como fomos retirados de todas as possibilidades de estar nos espaços de poder e de decisão”, explica, acrescentando que mudar o hino não é prioridade no momento. Ela afirma que a luta é pelas pessoas sem moradia, pela preservação de territórios quilombolas e contra o desmonte de políticas públicas. “O hino é a ponta do iceberg, é querer negar todo esse contexto que a gente está enfrentando ainda, de segregação, violações e negligências."