História com Prof. Marcos
Blog destinado às atividades com QR Code na disciplina de História no IFRS Campus Veranópolis
30.6.25
Vale a pena tacar fogo no Borba Gato?
5.6.25
Trabalhadores imigrantes no Brasil - Século XIX
Trabalhadores imigrantes no Brasil - século XIX/XX
Leide Alvarenga Turini
Mesmo antes da abolição legal da escravidão no Brasil em 1888, alguns segmentos da classe dominante brasileira, sobretudo os cafeicultores do oeste paulista, demonstravam interesse pela adoção da mão de obra do trabalhador imigrante. [...]
Não foi por acaso que os cafeicultores brasileiros optaram pela mão de obra do imigrante e também não foi sem razão que trabalhadores europeus emigraram para o Brasil. Em países como a Inglaterra, França, Itália, Alemanha, o processo de industrialização, entre os séculos XVIII e XIX, fez-se à custa da exploração do trabalho dos operários urbanos e da expulsão dos trabalhadores rurais, do campo. Esses últimos, impedidos de obter a subsistência por meio do cultivo da terra dirigiram-se para as cidades onde engrossaram as fileiras dos desempregados ou se submeteram ao regime de trabalho das fábricas. A Itália, que forneceu um dos maiores contingentes de imigrantes para o Brasil, passava à época por crises políticas e sociais responsáveis por elevados índices de desemprego. Por outro lado, as medidas adotadas pelos Estados Unidos no período, restringindo a imigração para aquele país, atraíram para o Brasil um elevado número de imigrantes.
Desta maneira, o trabalhador europeu, sem nenhuma propriedade, dono apenas de sua força de trabalho e que acreditava que o trabalho no Brasil seria fonte de enriquecimento e segurança, era o trabalhador ideal na perspectiva capitalista dos proprietários brasileiros.
Assim é que, no século XIX, milhares de imigrantes (alemães, suíços, italianos, espanhóis, portugueses, entre outros) entraram no Brasil trazendo na bagagem apenas alguns objetos de uso pessoal e na cabeça o sonho de “fazer a América”. Para a concretização da imigração em massa de trabalhadores europeus para o Brasil, um fator que muito contribuiu foi a intensa propaganda feita pelo governo brasileiro na Europa. [...]
Os trabalhadores imigrantes vinham para o Brasil em busca de uma vida melhor, diferente daquela que levavam em seu país de origem. Fugiam do desemprego e da fome e acreditavam, por força da propaganda, que no Brasil teriam acesso à terra (como os primeiros imigrantes que vieram para o Brasil no início do século XIX) e que poderiam construir uma nova vida.
Antes da vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras, algumas experiências já haviam sido realizadas com colonos europeus no Brasil. Por exemplo, no início do século XIX, com o objetivo de promover o povoamento de algumas regiões do país, o governo brasileiro criou o sistema de colonização que consistia na instalação de imigrantes em pequenas propriedades de terra. Por esse sistema, as famílias de colonos imigrantes recebiam pequenos lotes de terra onde deveriam produzir principalmente gêneros alimentícios para o mercado interno.
Pelo sistema de colonização chegaram ao Brasil, nas primeiras décadas do século XIX, imigrantes alemães e suíços que se estabeleceram no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Colônias como a de São Leopoldo (1824) no Rio Grande do Sul e a de São Pedro de Alcântara (1828), em Santa Catarina, foram criadas dentro dos princípios do sistema de colonização. Mais tarde outras colônias foram fundadas, como a colônia Dona Francisca (hoje Joinville) e a colônia de Blumenau (1850), em Santa Catarina.
As colônias estabelecidas no sul do país não representavam uma ameaça para os cafeicultores do sudeste nem para os pecuaristas gaúchos uma vez que se localizavam em áreas não ocupadas pelo latifúndio e produziam gêneros que não concorriam com os da grande lavoura. Esperava-se desses colonos imigrantes que, ao receberem terras, formassem uma camada social intermediária entre escravos e latifundiários (a categoria social dos pequenos proprietários) com a tarefa de produzir vários gêneros para o mercado interno, atendendo às necessidades dos latifúndios (cuja base era a monocultura de exportação) e dos núcleos urbanos em expansão.
Mas foram poucos os colonos imigrantes que receberam terras e subsídios do governo brasileiro, principalmente a partir da aprovação da lei de terras de 1850. Esta lei proibiu a aquisição de terras devolutas por posse ou doação. A partir de então, a terra só poderia ser adquirida mediante título de compra. Essa lei provocou a expulsão de muitos posseiros, bem como impediu que outros trabalhadores nacionais e também imigrantes tivessem acesso à terra. O sistema de colonização seguiu sendo implantado no sul do país nas décadas de 1870 a 1890, com a ocupação de terras na Serra Gaúcha e no Planalto Médio por parte de imigrantes, especialmente italianos e poloneses.
A partir da década de 1840, quando os proprietários paulistas passaram a defender a vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras de café, adota-se o sistema de parceria. A primeira experiência ocorreu em 1847, na Fazenda Ibicaba (região de Limeira/SP), cujo proprietário era o senador Nicolau Vergueiro. Para o transporte dos imigrantes o senador Vergueiro fundou a empresa Vergueiro e Cia. Os trabalhadores imigrantes contratados eram todos camponeses empobrecidos, artesãos e operários que esperavam encontrar no Brasil o que na Europa estavam impossibilitados de obter: acesso à terra, bens materiais e condições dignas de vida.
De acordo com o contrato de parceria, os colonos tinham todas as despesas de viagem pagas e transporte até a fazenda. Os gastos com manutenção e instalação da família, efetuados logo após a chegada dos mesmos corriam também por conta do fazendeiro. Essa gratuidade era, na verdade, apenas um adiantamento: logo que o colono iniciasse a produção deveria começar a pagar o fazendeiro com juros de 6% ao ano e, mais tarde, juros de até 12% ao ano. A cada família de colonos imigrantes era atribuído um certo número de pés de café para cultivar, colher e secar, além de um pedaço de terra para plantar gêneros de subsistência. Do lucro obtido com o café colhido, o colono deveria receber a metade, descontando-se, porém, todos os gastos com a secagem no terreiro, limpeza, beneficiamento, transportes e impostos. O fazendeiro ficaria também com a metade do lucro dos alimentos vendidos pelos colonos.
Ainda com pouco tempo de funcionamento, o sistema de parceria acarretou vários problemas que acabaram em sérios conflitos entre as duas partes. Os colonos acusavam os fazendeiros de lhes destinar poucos cafeeiros frutíferos que produziam uma safra pequena e em terras menos acessíveis. Reclamavam dos pesos e medidas utilizados pelos proprietários que avaliavam a mercadoria em prejuízo dos colonos. Criticavam a falta de liberdade religiosa e as moradias em que eram instalados: casas de pau-a-pique, sem forro, de chão batido e, em algumas vezes, até antigas senzalas. Consideravam injusta a entrega de metade da produção de sua roça ao fazendeiro e desonesta a contagem dos juros. Além disso, muitos fazendeiros, ao contrário do que haviam prometido anteriormente, cobravam aluguel dos colonos. O endividamento dos colonos era permanente, pois além das dívidas contraídas com a viagem, havia também as dívidas feitas nos armazéns das fazendas. Durante o tempo em que o colono não podia colher seus próprios alimentos e, em virtude do pouco que recebiam, eram obrigados a comprar fiado nos armazéns do fazendeiro. Este comprava os alimentos a preços reduzidos e os fornecia aos colonos a preços altíssimos. Dessa maneira, muitos imigrantes endividaram-se de maneira irrecuperável, sendo que a dívida chegava a dobrar ou até mesmo triplicar seu valor em dois ou três anos e o colono acabava ficando preso ao fazendeiro, quase como um escravo.
Os colonos não se acomodaram a esta situação. Inicialmente realizaram protestos pacíficos enviando reivindicações e críticas por escrito às autoridades locais e internacionais. Depois, recusaram-se a trabalhar e pouco a pouco muitas famílias abandonaram as fazendas. Foram inúmeros os casos de greves, rebeliões, prisões e queixas entre colonos e fazendeiros. Por outro lado, os fazendeiros se sentiam ameaçados e acusavam os colonos de indisciplinados, reclamando das frequentes deserções de suas fazendas. Quando eram consultados sobre maneiras de melhorar o sistema, sugeriam financiamento do governo, fiscalização e repressão policial.
Durante a década de 1860 as fazendas de café foram abandonando o sistema de parceria e, na década de 1880, iniciou-se o sistema de imigração subvencionada ou subsidiada. Os fazendeiros paulistas organizaram, em 1886, a Sociedade Promotora de Imigração que, entre outras atividades, passou a administrar a Hospedaria dos Imigrantes, construída no mesmo ano em São Paulo, e que se tornaria um verdadeiro mercado de trabalho onde se firmavam contratos entre imigrantes e fazendeiros. Na imigração subvencionada, diferente do que ocorria no sistema de parceria, o governo brasileiro assumia a responsabilidade de arcar com as despesas de viagem dos trabalhadores imigrantes e de suas famílias e os fazendeiros arcavam com os gastos do colono durante o seu primeiro ano de vida no país. Além disso, os colonos receberiam um salário fixo anual e mais um salário de acordo com o volume da colheita, fixado por alqueire de café produzido.
Entretanto, mesmo após a imigração subvencionada, as condições de moradia, saúde e educação dos trabalhadores imigrantes continuaram muito ruins e o sonho de ter acesso a terra concretizou-se para bem poucos. Muitos deles, após certo tempo trabalhando nas lavouras de café, tomavam o rumo das cidades a procura de trabalho nas fábricas ou em outras atividades urbanas. Em 1902, o governo da Itália proibiu a imigração subvencionada para o Brasil e os fazendeiros passaram a se interessar pela imigração de trabalhadores portugueses e espanhóis. Em 1910, o governo espanhol também proibiu a emigração subsidiada. A partir de 1908 chegaram ao Brasil imigrantes japoneses, os quais passaram a integrar a força de trabalho nas lavouras de café e em outras atividades agrícolas do país.
Bibliografia:
ALENCAR, Francisco e outros. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986, p. 143-148.
AZEVEDO, Célia M.M. Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das elites – século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
REVISTA TRABALHADORES. Imigrantes. Publicação da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas: 1989.
22.10.24
Santa Catarina
Os
eventos políticos que se sucederam em Portugal e no Brasil e culminaram com a
independência repercutiram em Santa Catarina de maneira geral em conformidade
com as orientações dirigidas pelo Rio de Janeiro, seja pelo rei Dom João, seja
pelo príncipe Dom Pedro. Tal vínculo advinha da função estratégica que a Ilha
de Santa Catarina desempenhou na segunda metade do século XVIII e no começo do
XIX. Desterro era considerada o posto avançado do Rio de Janeiro no Rio da
Prata. Calcula-se que na época da independência a província tinha cerca de 45
mil habitantes; destes, 25% eram escravizados; já a população livre convivia
com constantes recrutamentos para o exército e confisco da produção agrícola
para o abastecimento das tropas.
Não
há registro de revoltas ou contestação política em Santa Catarina nos moldes do
que ocorreu em outras províncias, o que marcou a peculiaridade da independência
nesta província. Não que não pudesse acontecer: como porto marítimo, as ideias
circulavam pelos viajantes que ali aportavam.
Em
25 de abril de 1821, o governador João Vieira Tovar e Albuquerque jurou as
bases da Constituição, após saber que Dom João havia feito o mesmo no Rio de
Janeiro. A notícia de que as capitanias, mesmo as subordinadas, seriam
transformadas em províncias, foi bom para Santa Catarina, pois a equiparava às
demais unidades políticas, ainda que com um território bastante minúsculo se
comparado ao atual, envolvendo as vilas de Desterro (capital), Laguna, São
Francisco do Sul e Lages.
No
ano de 1822, os decretos de Dom Pedro com o objetivo de fortalecer sua
autoridade, como o Dia do Fico, e a convocação de uma Assembleia Constituinte,
foram bem recebidos pelos catarinenses. A Junta de Governo, prevista pelas
Cortes, só foi eleita em maio de 1822, bem depois do que era previsto, por uma
manobra do agora governador Tomaz Joaquim Pereira Valente.
A
sintonia política da província com o Rio de Janeiro não significa dizer que
suas autoridades tivessem plena compreensão da profundidade dos acontecimentos.
A ideia de independência como ruptura política dos dois reinos, ao que parece,
não fazia parte do horizonte político dos habitantes locais. Talvez defendessem
a ideia de dois governos separados, mas um único Império Português, comandando
pelo rei Dom João.
A
notícia da independência em Santa Catarina foi formalizada em 1º de outubro de
1822, quando chegou a notícia que seria feita a aclamação de Dom Pedro como
imperador do Brasil no dia 12 de outubro, o que foi feito, sem sobressaltos.
Junto às celebrações e certo entusiasmo político, havia também apreensão e
temor de que uma esquadra portuguesa pudesse desembarcar a qualquer momento e
restabelecer o domínio lusitano, o que não aconteceu. E assim, Santa Catarina
se tornou parte do Império do Brasil.
Rio de Janeiro
A
cidade do Rio de Janeiro se transformou com a chegada da Corte, em 1808. Novos
prédios foram construídos, novas instituições foram criadas e um aumento
populacional muito grande aconteceu. No entorno da cidade, no que hoje chamamos
de Baixada Fluminense, os antigos canaviais se transformaram em fazendas de
produção de gêneros alimentícios, transportados pela Baía de Guanabara até a
cidade.
No
entanto, a província agregava um território muito maior. Na época
pré-independência, destacava-se a plantação de cana de açúcar na região de
Campos dos Goytacazes, e do café, no Vale do Paraíba, ambos com grande uso de
mão de obra escravizada.
Em
termos políticos, com exceção de Campos, cuja elite debateu em certo momento o
interesse em apoiar as Cortes de Lisboa, em 1821, não há pesquisas específicas
sobre as posições das Câmaras municipais sobre o apoio a Dom Pedro, mas tudo
indica que as elites locais recusaram as propostas das Cortes e festejaram a
permanência de Dom Pedro no Brasil e sua coroação.
Já
na capital, a chapa esquentou com as notícias da Revolução do Porto. Em 26 de
fevereiro de 1821, um levante da tropa provocou o juramento das bases da
Constituição. No dia 7 de março, Dom João anunciou seu retorno a Portugal e a
eleição dos deputados fluminenses às Cortes. A eleição, em 21 de abril, que
deveria ser para um público restrito, no prédio da Praça de Comércio, logo
tornou-se popular, com a presença de uma multidão. No meio da eleição,
irromperam gritos solicitando a adoção da Constituição Espanhola, vista como
uma referência, até que a portuguesa ficasse pronta. Um grupo de cinco pessoas
foi até o rei, no Palácio de São Cristóvão, entregar um abaixo-assinado com
quase 500 assinaturas, solicitando essa adoção, além da nomeação de um conselho
para assessorar Dom Pedro, que ficaria no Brasil como príncipe regente. O rei
aceitou a primeira exigência e prometeu pensar na segunda.
No
entanto, os ânimos se exaltaram na Praça do Comércio, com boatos de que tropas
iriam atacar o local e que o grupo de cinco pessoas teria sido detido. Apenas à
meia-noite o quinteto retornou do Palácio e o clima se acalmou. Contudo, os
manifestantes resolveram eleger uma Junta de Governo, além dos deputados às
Cortes, processo que terminou às 4 horas da manhã. Diante do prolongamento,
tropas lideradas pelo comandante português Jorge Avilez cercaram a Praça do
Comércio às 5 horas, e atacaram a tiros e baionetas quem estava por lá. O
número de mortos é incerto (de um a trinta), e o número de feridos, também.
Pela manhã, Dom João anulou a adoção da Constituição Espanhola e emitiu um
decreto estabelecendo os poderes do príncipe, sem o conselho.
Avilez,
nos meses seguintes, entraria em choque com Dom Pedro, pois acreditava que a
sua tropa deveria ser tutora do príncipe. Em julho, exigiu que ele jurasse as
bases da Constituição e nomeasse uma Junta de Governo. Em outubro, mobilizou
suas tropas para que fossem cumpridas as ordens vindas de Lisboa.
Em
9 de janeiro de 1822, Dom Pedro declara que permaneceria no Brasil, mesmo após
as Cortes solicitarem seu retorno (Dia do Fico). No dia 11, Avilez reúne dois
mil soldados no Morro do Castelo e organiza um movimento com o objetivo de
depor Dom Pedro, anular seus poderes e exigir sua fidelidade a Portugal. Houve
quebra-quebra e tumulto generalizado entre apoiadores dos lusitanos e da
independência. Durante as negociações, Avilez transfere a tropa para Niterói,
onde permaneceu buscando reforços. Porém, são cercados e depois de alguns dias,
se rendem e retornam a Portugal. Sem uma força militar no seu encalço, Dom
Pedro estava livre para se dedicar a costurar as alianças que selariam a
independência do Brasil, na qual o Rio de Janeiro teria um papel central, e,
posteriormente, capital do Império.
São Paulo
O
século que antecedeu à independência em São Paulo foi de grande crescimento
populacional e produtivo, relacionado ao fornecimento de gêneros de
subsistência para as Minas Gerais. Além disso, a lavoura de açúcar ocupou papel
importante na economia paulista. Esse processo foi acentuado com a chegada da
Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, e com o início da produção de café
no Vale do Paraíba.
A
Revolução do Porto instaurou Juntas de Governo nas províncias, com o objetivo
de limitar o poder do rei. A primeira Junta em São Paulo foi aclamada em 23 de
junho de 1821, sendo presidida pelo último governador, João Carlos Augusto de
Oyenhausen. Seu vice-presidente era José Bonifácio de Andrada e Silva; e o
secretário do Interior era Martim Francisco Ribeiro de Andrada, além de outros
cargos. Seus membros tinham destaque entre grupos de produtores e negociantes,
e a maioria se envolveu na política imperial após a independência. Seus membros
reunidos nunca se mostraram hostis ao governo de Dom Pedro, mas pretendiam agir
com autonomia, mantendo liberdades que tinham anteriormente e, inclusive,
discutir atos do príncipe.
Porém,
a Junta paulista nunca foi soberana na província. Em maio de 1822, ocorreu um
movimento que ficou conhecido como “Bernarda de Francisco Inácio”, que opôs o
grupo liderado por Martim Andrada e o grupo liderado por Francisco Inácio de
Sousa Queiros. Esses conflitos teriam ensejado a movimentação de parte da
tropa, culminando na expulsão de Martim da Junta em 23 de maio de 1822.
Constantes confrontos entre autoridades estabelecidas na cidade de São Paulo e
nas vilas de Santos e Itu, inclusive a insubordinação das tropas instaladas em
Santos em 1821 e a tentativa da Câmara de Itu de formar uma Junta de Governo
própria em 1822, indicam a dificuldade na manutenção da união entre grupos de
interesse das diversas localidades.
Durante
os meses que precederam o Grito do Ipiranga se estabeleceu um complexo processo
de acordos e alianças entre Dom Pedro e grupos de poder fluminenses, mineiros e
paulistas, para que estes reconhecessem o Rio de Janeiro como centro político e
administrativo. O apoio a Dom Pedro não era consensual e foi conquistado
gradativamente através de garantias dadas às redes familiares e de negócios
destas províncias para que pudessem continuar com suas operações mercantis e
influência política com segurança e lucratividade.
A
primeira Junta de Governo paulista atuou até agosto de 1822, quando foi
dissolvida pessoalmente por Dom Pedro. Em seu lugar, o príncipe instituiu uma
junta provisória, liderada pelo bispo Dom Mateus de Abreu Pereira, que atuou
até janeiro de 1823. É nesse contexto que Dom Pedro estava quando recebeu
notícias da Princesa Leopoldina, de que as Cortes ordenavam seu retorno a
Portugal. E é ali que proclama o Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822,
marco simbólico da independência brasileira.
Minas Gerais
A
historiografia defende o papel central de Minas Gerais na articulação e
sustentação do projeto político de um Império do Brasil. Era a província mais
populosa do Brasil, com aproximadamente 500 mil habitantes, sendo destes, cerca
de 175 mil escravizados. A sua economia era baseada na produção para o
abastecimento do Rio de Janeiro, capital da América Portuguesa.
As
notícias da Revolução do Porto rapidamente encontraram eco na província. Entre
1821 e 1822 ocorreram, em diferentes locais da província, como Minas Novas,
Vila do Príncipe e Paracatu, sublevações e movimentos protagonizados pelas
então chamadas “classes ínfimas”, inclusive os temidos “ajuntamentos de negros”
que defendiam vozes de liberdade.
O
período da independência também é marcado por uma série de tensões no seio das
elites, por conta das formas de representação e da construção dos novos espaços
de poder. Inicialmente, quando as notícias das Cortes de Lisboa chegam, o
governador Manoel de Portugal e Castro jura as bases da Constituição. Por isso,
acreditava que tinha legitimidade para permanecer no cargo, sem a eleição de
uma Junta. Porém, parte da elite defendia a eleição de uma Junta, tal como
acontecia em outras partes do Brasil.
No
final de setembro de 1821, é realizada a eleição para a Junta. A composição
dela demonstra a falta de unidade entre os diversos grupos políticos na
província. O próprio governador Manoel foi eleito presidente. Os enfrentamentos
que se seguiram à instalação da Junta, que envolveram acusações de espionagem e
tentativas de assassinato, resultaram no pedido de demissão de Manoel.
Um
novo ponto de tensão ocorreu com a chegada dos decretos vindos de Lisboa
tratando sobre a nova organização dos governos provinciais. A junta mineira
declarou-se incapaz de fazer cumprir estes decretos. Além disso, parte dos
deputados mineiros eleitos às Cortes, ao invés de embarcar para Lisboa,
permaneceu no Rio de Janeiro e declarou publicamente seu apoio a Dom Pedro. Foi
chave nessa declaração o vice-presidente da Junta mineira e deputado, José
Teixeira da Fonseca Vasconcellos. Dessa forma, se verifica o rompimento entre a
Junta de Governo, sediada em Vila Rica, e parte dos deputados eleitos.
Outro
foco de tensão se deu dentro das próprias Câmaras de Vereadores. Várias delas
apoiaram diretamente a permanência de Dom Pedro no Brasil, e algumas delas
inclusive adotaram posturas contrárias a da Junta de Governo, não reconhecendo
sua legitimidade pra falar em nome da população.
Foi
diante desse quadro de tensões que Dom Pedro realizou uma viagem pela província,
entre março e abril de 1822. Reafirmando seu amor à causa do Brasil, recebeu
festejos nas vilas ao sul da província pelas quais passou (Barbacena, São João
del Rei, São José del Rei e Queluz), mas tal acolhimento não aconteceu na
capital, Vila Rica. Ali, ele só adentrou apenas após negociações e uma ameaça
velada de uso da força armada. A seguir, a Junta de Governo foi dissolvida e
uma nova eleição foi convocada. A viagem de Dom Pedro teve sucesso ao construir
um relativo consenso em relação à adesão de Minas Gerais ao governo do Rio de
Janeiro e o rompimento com Portugal.
Bahia
Tirando
o Rio de Janeiro, a Bahia era a peça mais importante do Império Português na
América. E, por isso, foi tão disputada. Um amplo comércio de fumo, açúcar,
escravizados, tanto interno quanto externo, aquecia os mercados da capital. Calcula-se
que em 1780 havia cerca de 220 mil habitantes na Bahia, dois terços deles em
Salvador e seus arredores, o Recôncavo Baiano.
O
movimento de adesão às Cortes iniciou no dia 10 de fevereiro de 1821, com a
instalação da Junta de Governo. O ano de 1821 ocorreu com certa tranquilidade,
destacando-se pela ampla circulação de panfletos e jornais, nos quais se
destacavam Idade d´Ouro do Brasil, Sentinela Bahiense e Semanário
Cívico, os quais difundiam a teoria política liberal. Em 3 de setembro são
eleitos os deputados para as Cortes. Nada apontava para uma separação entre
Brasil e Portugal
Em
1822, a situação mudou. Em fevereiro, uma nova Junta de Governo é eleita, com
base nas orientações das Cortes. E o comando militar da Bahia é entregue a um
militar português, Inácio Luís Madeira de Mello. A decisão vinda de Lisboa descontentou
militares e civis, gerando conflitos armados em Salvador entre os dias 18 e 21
de fevereiro. Duzentas a trezentas pessoas morreram. Muitos deixam a capital e
se instalam no entorno, na região do Recôncavo, onde estavam as principais
fazendas.
Entre
os meses de fevereiro e maio a resistência aos militares que ocupavam Salvador
se deu de forma passiva. A partir de junho iniciam-se os combates entre as
tropas portuguesas e o Exército Libertador, uma força militar organizada no
Recôncavo. Várias das Câmaras de Vereadores da Bahia aclamaram Dom Pedro como
defensor perpétuo do Brasil. O conflito passou a ser aberto. No dia 21 de
agosto, é instalado um governo paralelo, com sede na cidade de Cachoeira, e que
apoiava abertamente a causa da independência.
Em
algumas vilas foram registrados episódios violentos de perseguição e morte de
portugueses, conhecido como mata-marotos. Vilas do interior, como
Caetité e Rio de Contas, no oeste e longe de Salvador, instalaram suas próprias
Juntas, não acatando as ordens vindas de Cachoeira. Escravizados eram
recrutados para lutar no exército, para engrossar o número de soldados. Indígenas
eram alistados, com destaque pata o chefe das tropas de índios flecheiros,
Bartholomeu “Jacaré”. A efervescência política e social era enorme.
Em
novembro, ocorre o principal conflito da independência na Bahia, a Batalha do
Pirajá, nos arredores de Salvador. A vitória das tropas baianas consolida a sua
posição no cerco à cidade. Com o tempo, reforços chegam, incluindo alguns
enviados por Dom Pedro, liderados pelo general Pedro Labatut. Labatut teve
sérias divergências com os membros do governo da Cachoeira e foi acusado de
autoritarismo. Em maio, ele é removido do comando do Exército Libertador. Em
abril, o almirante Thomas Cochrane chega com uma esquadra que bloqueia a Baía
de Todos os Santos. Acuados e sem acesso a mantimentos, tanto por terra como
por mar, as tropas portuguesas se rendem no dia 1º de julho de 1823, e deixam
Salvador no dia seguinte. Esse dia, atualmente, é o feriado estadual na Bahia. Consolidava-se
a adesão da Bahia ao Império Brasileiro.