29.9.19

O Reino do Congo

Mapa do Reino do Congo


No reino do Congo moravam povos agricultores que, quando convocados pelo mani Congo (soberano), partiam em sua defesa contra inimigos de fora ou para controlar rebeliões de aldeias que queriam se desligar do reino. Aldeias (lubatas) e cidades (banzas) pagavam tributos ao mani Congo, geralmente com o que produziam: alimentos, tecidos de ráfia vindos do nordeste, sal vindo da costa, cobre vindo do sudoeste e zimbos (pequenos búzios afunilados colhidos na região de Luanda que serviam como moeda).
Os limites do reino eram traçados pelo conjunto de aldeias que pagavam tributos ao poder central, devendo fidelidade a ele e recebendo proteção, tanto para os assuntos deste mundo como para os assuntos do além, pois o mani Congo também era responsável pelas boas relações com os espíritos e ancestrais.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006, p.38-39.

Vista pelos europeus, a monarquia do Congo logo pareceu fraca porque não conseguia se impor perante os poderes provinciais, considerados periféricos e dependentes. Mas o que acontecia de fato era diferente. [...] Como nos demais pequenos Estados, em outras chefaturas do Congo a sucessão ao trono não se fazia de modo hereditário, mas dependia da indicação, aprovação ou eleição pelos chefes locais de linhagem. Seria muito difícil encontrar, nessas condições, monarquias despóticas ou centralizadas, com as quais os europeus estavam acostumados. [...] A decisão final dependia de negociações entre os chefes de linhagens e clãs, ou da força militar colocada à disposição dos concorrentes, sendo frequentes as rivalidades e assassinatos nos períodos de sucessão.
Esse equilíbrio foi rompido nas primeiras décadas do século XVI, durante o governo de Dom Afonso I [Mvemba-a-Nzinga, 1509-1540]. Tratado pelos reis portugueses como irmão, esse governante africano tomou medidas que resultaram numa ampla modificação das formas de organização social do Congo ao enviar jovens para serem batizados e cristianizados em Portugal, além de solicitar a implantação do cristianismo e ao proibir o culto dos fetiches, que representavam os ancestrais divinizados.

MACEDO, José Rivair. História da África. São Paulo: Contexto, 2013, p.85-86.

25.9.19

O Comércio Transaariano

Leiam atentamente os trechos abaixo e observem os mapas

Diversas áreas da África tinham contato com regiões de fora do continente. Os povos da Costa do Oceano Índico comercializavam com Pérsia, Índia, chegando até a China. Esse trânsito era facilitado por correntes e ventos das monções que facilitavam as navegações entre a Ásia e a África. Essa economia da África tornou-se mais substantiva com o comércio de ouro entre os reinos do Sahel e a Europa Medieval, intermediado, entre os séculos X e XV pelos árabes que cruzavam em caravanas o deserto do Saara.

A posse do dromedário alteraria completamente a vida dos berberes do deserto, permitindo que eles, de certa forma, o ocupassem. Deixava o Saara de ser uma espécie de terra de ninguém, para ver-se apossado pelas tribos nômades que conheciam seus caminhos [...] e deles cuidavam [...] O deserto tornava-se, assim, um mar interior [...] A partir de então, ligaria também o mundo mediterrâneo ao país dos negros, em vez de apenas separá-los. (​COSTA E ​SILVA, 1996, p. 249)

Talvez ainda mais remoto no tempo e mais corriqueiros fossem os trechos que se traçavam através do Sahel. Pois desde muito devia-se ir buscar o sal na região de Trarza, para dele abastecer as aldeias e cidades sudanesas.(​COSTA E ​SILVA, 1996, p. 255) 

As mercadorias mais importantes e mais antigas do comércio transaariano foram o escravo, o ouro e o sal. O ouro tão necessário à economia monetária do Norte da África, da Europa e do Oriente Próximo. O sal, indispensável às populações sudanesas e silvícolas. (​COSTA E ​SILVA, 1996, p. 255)

O desenvolvimento, no Sudão Ocidental, de numerosos reinos foi estimulado pelo comércio transaariano, que o dromedário tornou possível. Há sinais de que, a partir dos fins do século III, o ouro começou, em pequenas quantidades, a atravessar o Saara, vindo da terra dos negros. E de que seu volume já devia ter peso, no período bizantino da África do Norte, tendo em vista a importância que assumiu Cartago como centro de cunhagem de moedas de ouro. (​COSTA E ​SILVA, 1996, p. 252-253)

[...] fileiras de milhares de dromedários levavam, do Magrebe e da Líbia para o Sahel, sal, cobre, bijuteria de vidro, conchas e pedras, perfumes, coral de Ceuta, espadas, panos de algodão e outros artigos de luxo. E também Tâmaras, do oásis do deserto. E também, possivelmente, desde o início, cavalos. De torna-viagem, iriam carregados de goma, âmbar cinzento, pimenta malagueta, peles, marfim.(​COSTA E ​SILVA, 1996, p. 254) 

Figura 1. Região do Sahel

Figura 2. Rotas comerciais e produtos comercializados no Sahel.

Figura 3. Atlas Catalão, de 1375, com a figura do Imperador do Mali, Mansa Musa.
1. Pepita de ouro. 2. Coroa. 3. Cetro. 4. O trono

16.9.19

Maias - Fonte 06

Colapso da civilização maia

Em seu livro ​Colapso – Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso​, o professor Jared Diamond levanta a hipótese de que a civilização maia chegou ao fim no século IX por questões ambientais. Diamond afirma que os maias devastaram grande parte da floresta para a fabricação de cal, material básico para a construção das pirâmides. Por causa do grande desmatamento, houve uma diminuição das chuvas, diminuindo drasticamente a produção agrícola. Para Diamond, a fome gerou guerras e, com as guerras, o fim das civilização maia. Os maias teriam abandonado as grandes cidades e sobrevivido no que restou das florestas, onde estão até hoje.

DIAMOND, Jared. Colapso – Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Editora
Record, 2007. 

Maias - Fonte 05

Alimentação maia

Entre os principais ingredientes da culinária maia estavam o milho, o feijão, a pimenta, tomates, cacau e abacate. O que chamamos atualmente de “comida mexicana” é uma culinária muito parecida com a da antiga cozinha maia. Os maias preparam uma bebida amarga, feita à base de cacau que chamavam de xocoatl, esta é a origem da palavra chocolate. Com o milho preparam tortilhas, o prato básico de toda a população maia. No estado de Chiapas no México e na Guatemala ainda existem muitas comunidades maias, elas ainda têm a tortilha como alimento básico. Além de produzir o xocoatl, as sementes do cacau eram secas e utilizadas como moedas pelos maias. O fato de utilizarem moedas demonstra que os maias tinham uma economia desenvolvida.

Fonte: Banco Nacional da Bélgica, dispoível em
https://www.nbbmuseum.be/en/2013/03/kakao.htm​ Acesso em: 23 de janeiro de 2018 

Maias - Fonte 04




Mapa das principais cidades maias no século IX e mapa político atual da América Central e do Sul.



Fonte, PBS, disponível em ​https://www.pbs.org/wgbh/nova/mayacode/map-nf.html​.
Fonte: Secretaria de Estado da Educação do Paraná, disponível em
http://www.geografia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=424&evento=5
Acesso em: 23 de janeiro de 2019.

Maias - Fonte 03


Pirâmide de Kukulkan, em Chichen Itza, durante o equinócio.

Os maias construíram centenas de pirâmides. No alto das pirâmides ocorriam complexos rituais, entre eles sacrifícios humanos. Esta é a pirâmide de Kukulkan, chamada pelos espanhóis de El Castillo. Ela é considerada uma das sete maravilhas modernas. A pirâmide possui 91 degraus de cada lado, mais um degrau no templo do topo, simbolizando os 365 dias do Haab (calendário solar). Durante os equinócios a pirâmide projeta a serpente Kukulkan penetrando o solo (é possível ver o fenômeno nesta imagem). Trata-se de uma ilusão de óptica causada pela sombra da própria pirâmide.



Fonte: Royal resorts, disponível em https://www.nationalgeographic.com/travel/world-heritage/chichen-itza/
Acesso em: 23 de janeiro de 2019.

Maias - Fonte 02

Calendários maia

A astronomia foi muito desenvolvida pelos maias. Através da observação do astros celestes os maias desenvolveram complexos calendários, os dois principais, que eram utilizados em conjunto, chamavam-se Haab e ​Tzolk'in. 
O calendário chamado Haab, também chamado de calendário solar, era composto de 18 meses de 20 dias de duração e mais um mês especial com apenas cinco dias, totalizando 365 dias. Haab é o calendário solar e era utilizado para o cotidiano, estabelecendo a época de plantio e colheita, por exemplo. Enquanto os primeiros 18 meses de 20 dias de criação eram considerados dias normais e produtivos, os 5 dias finais do calendário era um período de prática ritualística. Com demasiada frequência, os estudiosos ocidentais afirmam que os cinco dias finais foram considerados "infelizes" pelos antigos maias.
O calendário sagrado maia, chamado ​Tzolk'in, também conhecido como calendário lunar, tinha 260 dias de duração. O Tzolk'in era um calendário utilizado por sacerdotes, este indicava dias bons e ruins para iniciar uma guerra, por exemplo.

Adaptado do site do Museu Nacional Smithsoniano do índio americano, disponível em
https://maya.nmai.si.edu/​ Acesso em: 21 de janeiro de 2019 

Maias - Fonte 01

Jogo de bola maia

Os povos da Mesoamérica, inclusive os maias, jogavam um jogo que ficou conhecido como “bola maia”, também chamado de Pok Ta Pok. O jogo é praticado, segundo os achados arqueológicos, pelo menos desde 1400 aC. O jogo era disputado entre dois times com uma bola com um núcleo de pedra revestida de borracha. O objetivo do jogo era acertar a bola por um aro, semelhante ao basquete. Os jogadores só podiam utilizar o antebraço, as coxas e cintura para tocar a bola. O número de jogadores e as regras do jogo variam de cidade para cidade e de período para período. Vestígios arqueológicos indicam que o jogo tinha caráter ritualístico e que alguns jogadores eram sacrificados após os jogos. Até hoje os descendentes de maias, que ainda vivem na América Central, disputam um jogo com bola de borracha chamado Ulama, parecido com o antigo jogo.

Adaptado de Museu Britânico, The mesoamerican ballgame, disponível em https://www.metmuseum.org/toah/hd/mball/hd_mball.htm​ Acesso em: 21 de janeiro de 2019


Aro de pedra no campo da antiga cidade maia de Chichen Itza.

Astecas - Fonte 06


Página 37 do Códice Mendoza (1542). O códice foi feito pelos indígenas a mando dos espanhóis. A página 37 mostra os impostos que uma região, composta de 14 povoados [no lado esquerdo e na parte inferior da página] deveria pagar a Tenochtitlan, capital asteca. O símbolo acima de alguns objetos, que se parece uma pena, representa o número 400. O símbolo que se assemelha a uma bandeira, representa o número 20.



Perguntas norteadoras da apresentação
O que é mostrado na fonte?
Por que os espanhóis ordenaram que os astecas produzissem esta página?
As cidades que deveriam pagar o imposto gostavam dos astecas?

Astecas - Fonte 05


Esta ilustração da segunda seção mostra (à esquerda) um templo ou pirâmide encimado pelas imagens de dois deuses, ladeados por mexicanos nativos. ​(...) Huitzilopochtli, cujo nome significa "beija-flor azul à esquerda", era o deus asteca do sol e da guerra. A ​xiuhcoatl (serpente turquesa ou de fogo) era sua arma mística. Tlaloc, o deus da chuva e da agricultura, era de origem pré-asteca, ou tolteca. A ​coatepantli (parede feita de serpentes esculpidas) normalmente cerca templos astecas. O tzompantli (altar) guardava os crânios das vítimas de sacrifícios. O grande templo de Tenochtitlan foi encimado por dois santuários: o da esquerda, dedicado a Tlaloc e o da direita a Huitzilopochtli​. Códice Tovar - séc. XVI.

Perguntas norteadoras da apresentação
O que é apresentado na imagem e no texto?
Como era a religião asteca? Era monoteísta ou politeísta?
Quais os principais deuses astecas?
O que é o tzompantli? 

Astecas - Fonte 04


Esta ilustração da segunda seção retrata a batalha de Azcapotzalco. (...) Azcapotzalco, capital dos tepanecas no lago Texcoco, foi o local de uma batalha em 1430 entre Itzcóatl, o quarto imperador asteca (reinou entre 1427 e 1440, aliado a Netzahualcoyotl, um senhor texcocano) e Maxtla (filho de um senhor tepaneca a quem os astecas tinham servido), que havia orquestrado o assassinato do imperador anterior. Após a derrota de Maxtla, as três cidades de Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopan formaram o novo império asteca da Tríplice Aliança. Códice Tovar - séc. XVI.

Perguntas norteadoras das apresentações
O que é apresentado nas fontes?
Quais armas aparecem na fonte iconográfica?
O que é a tríplice aliança?
O que as fontes mostram sobre os astecas?

Astecas - Fonte 03


Um sacerdote desconhecido segurando uma lança coordena o sacrifício de um homem cujo coração é removido por um assistente (...) A oferta de coração da vítima aos deuses satisfazia a crença asteca de que o sol se levantaria novamente alimentado pelos corações dos homens. Códice Tovar - séc. XVI.

Perguntas norteadoras das apresentações
O que é apresentado nas fontes?
O que ocorre na cena apresentada?
Por que os astecas faziam sacrifícios humanos?
O que as fontes mostram sobre os astecas?

Astecas - Fonte 02


Esta ilustração da segunda seção retrata a criação de Tenochtitlan (atual Cidade do México). Uma águia é mostrada devorando um pássaro no alto de um cacto com flores [Para os astecas, esta cena profetizava o local para fundação de sua capital]. O cacto cresce a partir de uma pedra no meio de um lago. Pegadas dos mexicanos são mostradas se aproximando da base do cacto. À direita está Tenoch (conhecido por seu glifo de um cacto com flores), que liderou os astecas para Tenochtitlán. Na esquerda está Tochtzin, ou Mexitzin (conhecido por seu glifo de um coelho), que veio de Calpan (conhecido pelo glifo de uma casa com uma bandeira), co-regente de Tenoch. Os dois governantes sentam em tronos de vime. Códice Tovar - sec. XVI.

Perguntas norteadoras das apresentações
O que é apresentado nas fontes?
Qual a relação destas fontes com a bandeira mexicana?
O que o cacto indica sobre a região em que os astecas viviam?
O que as fontes mostram sobre os astecas?

Astecas - Fonte 01


Códice Florentino Livro III - Imagem 232 (1577). Os nobres mandavam seus filhos para o ​calmecac (fileira de casas), uma escola extremamente rígida reservada para a elite, onde recebiam instruções sobre como se transformar “naqueles que comandam, chefes e senadores e nobres… aqueles com cargos militares.”

Perguntas norteadoras das apresentações
O que é apresentado nas fontes?
O que é mostrado na fonte iconográfica?
O que era o Calmecac?
Quem estudava nas calmecacs?
O que as fontes mostram sobre os astecas?

2.9.19

O que é ser indígena no Brasil hoje?

O que é ser indígena no Brasil hoje? 

“Ser indígena hoje no Brasil é não visualizar um futuro de curto prazo para termos um pouco mais de paz e ter a garantia dos nossos direitos em relação à concretização das terras demarcadas. Ser indígena, hoje, é saber que cada manhã vai ser de luta, persistência e coragem” 
(Giselda Pires de Lima da etnia Guarani, professora de Ensino Fundamental, 36 anos)

“Hoje, ser indígena, para nós jovens acadêmicos, é trazer diversos conhecimentos tradicionais do nosso povo, para que as sociedades não indígenas tenham conhecimento das distintas realidade milenares que os povos que trazem consigo. 
A escrita não é a mesma coisa que a fala, então para nós é importante usar audiovisual, celular. Meu pai está lá em Atalaia do Norte, como vou me comunicar com ele? Como vou ter informações, se eu estou no mundo na sociedade não indígena? As pessoas que pensam que o índio tem que viver só no mato querem acabar com nossa cultura. 
A realidade se transforma. E o povo não indígena muitas vezes não percebe que também incorporou nosso modo de falar, nossos costumes, nossa forma de alimentação. A sociedade não indígena vivencia nosso jeito de ser todo dia” 
(Nelly Duarte da etnia Marubo, doutoranda no Museu Nacional-UFRJ, 35 anos)

“O índio brasileiro hoje tem que ter orgulho de suas raízes e ter consciência do passado. Renovar seus conhecimentos e acima de tudo saber lidar com o mundo atual. 
Muitos não índios ainda têm uma visão atrasada em relação ao indígena. Mas eles esquecem que também somos seres humanos, que estamos sempre em mutação e seguindo o ritmo da vida e do universo. 
Várias coisas nossas passam também para a sociedade não indígena. A terra não foi descoberta sem indígena” 
(Ysani Kalapalo da etnia Awati e Kalapalo, ativista e empreendora social, 26 anos)


Por que o senso comum nega aos indígenas sua identidade quando eles incorporam hábitos e tecnologias não indígenas ao seu dia a dia? 


O senso comum desconhece a noção de cultura, que é um processo contínuo de transformação. Os povos indígenas sempre incorporaram hábitos e tecnologias seja uns dos outros, seja de sociedades vizinhas como os Incas, com os quais algumas etnias da Amazônia ocidental estabeleciam contato antes da invasão dos europeus. 
Toda cultura é por definição aculturada, isto é, resultado de um processo contínuo de apropriação de conhecimentos e práticas alheios. O senso comum pode até se dar conta de que tal processo acontece com a sociedade brasileira, que é mais brasileira quanto mais incorpora hábitos orientais, europeus ou africanos. Mas não quando se trata das sociedades indígenas. A ótica colonialista corrente imagina que índios são espécimes de museus, que devem permanecer sempre congelados para, quem sabe, merecerem os seus direitos. Esquece-se assim de que os índios são pessoas reais, dotadas de tradições dinâmicas que, assim como outras tantas, são sempre traduções. 
(PEDRO CESARINO)

 
O "senso comum" - que expressa os valores da sociedade dita "moderna" - precisa manter os índios no passado. Sempre foi assim. Os índios são parte da pré-história do Brasil. Esse foi o jeito que o Ocidente encontrou para "amar" os índios.
Veja-se o tão famoso indianismo na literatura brasileira. Índio "bom" é o índio suficientemente distante - no tempo, mas também no espaço. São índios "de verdade" os Tupinambá da época da Conquista, nos séculos 16 e 17, que chegam a nós pelos relatos de viagem e continuam a povoar nosso imaginário com seus lampejos de antropofagia. Ou então os Zo'é, também falantes de uma língua tupi-guarani, do Cuminapanema, no Pará, que até certo tempo eram categorizados "isolados", o que provocou o interesse retumbante de um sem número de fotógrafos e videastas ávidos por imagens dos "últimos selvagens". 
Não são índios "de verdade", sob esta ótica, os Guarani (plenos falantes de outra língua tupi-guarani) espalhados por um vasto território que vai do Mato do Grosso do Sul passando por toda a costa Sul e Sudeste, uma vez que vivem na cercania de grandes cidades, comem comida de brancos, usam roupas, fazem uso de diferentes tipos de tecnologias.
As culturas se transformam, são inventivas. Mas a maneira como cada uma se transforma depende sempre de um estilo particular. A ideia de que é um destino desejável a ruptura radical ou a adesão a um sistema-mundo homogêneo não é algo abraçado por todas as sociedades. 
Os índios nos ensinam, entre outras tantas coisas, que é possível coexistir com os não índios sem abrir mão de modos de ser específicos, que no mais das vezes se chocam com a ética do neoliberalismo. O problema, claro, é ao mesmo tempo conceitual e político. Pois exigir que os índios tenham uma cultura imutável, que eles não possam se apropriar de elementos exógenos é mantê-los à distância, no tempo e no espaço, é como promover um apartheid. 
(RENATO SZTUTMAN)

Texto retirado de: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/04/29/O-que-%C3%A9-ser-ind%C3%ADgena-no-Brasil-hoje-segundo-3-jovens-e-2-antrop%C3%B3logos