18.9.25

Revolução Francesa - República

 A Marselhesa

O atual hino francês foi composto no contexto da luta contra os exércitos estrangeiros. A Marselhesa era um canto de guerra que rapidamente se tornou o hino da revolução. Seus versos refletem a tensão dominante na França em fins do século XVIII e são evidências históricas importantes para a compreensão do processo revolucionário.

O hino foi composto por Claude-Joseph Rouget de Lisle (1760-1836), oficial do exército francês, capitão de engenheiros e músico autodidata. O termo "marselhesa" surgiu por que o autor do canto comandou um grupo de marselheses (da cidade de Marselha, ao sul da França) que lutou pela defesa da França. 

Obtendo rápido sucesso, o canto chegou à Provença, no sudeste da França, e um mês depois alcançou Paris. Estudiosos consideram que o canto também foi entoado durante a tomada do Palácio de Tulherias.

Composta em 24 de abril de 1792, a música provocou um grande entusiasmo entre as camadas populares e passou a ser considerada um símbolo da própria Revolução Francesa.

Na atualidade, somente a primeira e a sexta estrofes e o refrão são cantados na França. Há diferenças entre as diversas traduções da letra.


Evidência histórica 1



Evidência histórica 2

Leia um trecho da tradução de "A Marselhesa".

Avante, filhos da Pátria,
O dia da Glória chegou.
Contra nós a tirania
O estandarte encarnado se eleva

Ouvis nos campos rugirem
Esses ferozes soldados?
Vêm eles até nós
Degolar nossos filhos, nossas mulheres.

Às armas cidadãos!
Formai vossos batalhões!
Marchemos, marchemos!
Nossa terra do sangue impuro se saciará

[...]
Amor Sagrado pela Pátria
Conduza, sustente nossos braços vingativos.
Liberdade, liberdade querida,
Combata com os teus defensores!

Sob as nossas bandeiras, que a vitória
Chegue logo às tuas vozes viris!
Que teus inimigos agonizantes
Vejam teu triunfo, e a nossa glória.


Exercícios

1. Em sua opinião, que ideia o autor de "A Marselhesa" (evidência histórica 2) pretendia transmitir ao afirmar que o sangrento estandarte da tirania havia sido levantado contra a França revolucionária?

2. Qual é a mensagem da letra da música?

3. Observe a imagem na partitura de "A Marselhesa" (evidência histórica 1). Que pessoas estão retratadas no desenho?

4. A mulher representada na partitura está usando uma espécie de touca. Faça uma pesquisa na internet para descobrir o nome dessa peça e sua importância simbólica na Revolução Francesa.

Revolução Francesa - Antecedentes

 A sátira como arma revolucionária

Às vésperas da Revolução Francesa, cerca de 80% da renda dos camponeses era destinado ao pagamento de impostos, dízimos e taxas. Em Paris, um sans culotte gastava 88% dos seus rendimentos com alimentação. Sobravam 12% para as outras despesas. Essa difícil situação, que também era vivida por outros grupos do Terceiro Estado, foi denunciada em desenhos, gravuras e panfletos da época. Nestes últimos também era destacada a importância do Terceiro Estado para a economia francesa.

Em 1788, Emmanuel Joseph Sieyes (1748-1836), ou abade Sieyes, publicou um panfleto, intitulado "O que é o Terceiro Estado?". Leia o texto a seguir e observe as imagens.


Evidência histórica 1

"Que é o Terceiro Estado? Tudo. Que tem sido até agora na ordem política? Nada. Que deseja? Vir a ser alguma coisa.

O Terceiro Estado forma em todos os setores dos dezenove/vinte avos, com a diferença que ele é encarregado de tudo o que existe de verdadeiramente penoso, de todos os trabalhos que a ordem privilegiada se recusa a cumprir.

Quem, portanto, ousaria dizer que o Terceiro Estado não tem em si tudo que é necessário para formar uma nação completa? Ele é o homem forte e robusto que tem um de seus braços ainda acorrentados. Se suprimíssemos a ordem privilegiada, a nação não seria algo de menos, e sim alguma coisa mais.

Assim, que é o Terceiro Estado? Tudo, mas um tudo livre e florescente. Nada pode caminhar sem ele, tudo iria infinitamente melhor sem os outros."

SIEYES, Emmanuel Joseph. O que é o Terceiro Estado? In: FALCON, Francisco; MOURA, Gerson. A formação do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Campus, 1983, p.66.


Evidência histórica 2

Gravura anônima do século XVIII que representa a sociedade francesa do período. Na pedra, encontra-se a inscrição: "Talha, imposto, corvéia".

Evidência histórica 3

Legenda: Você deve esperar que este jogo acabe em breve.


Exercícios

1. Em sua opinião, qual a importância atribuída ao Terceiro Estado pelo autor do panfleto? (Evidência Histórica 1)
2. Observe a evidência histórica 2 e identifique de que forma o artista representou os três estados.
3. Observe a evidência histórica 3 e preste atenção nos detalhes, como as roupas. Com base nisso, você seria capaz de identificar qual Estado foi representado carregando os outros dois? Quem são os opressores e quem é o oprimido?
4. Você concorda que os artistas que elaboraram estas gravuras desejavam denunciar uma grande injustiça social? Em caso positivo, de que forma fizeram isso? Explique.
5. As tentativas de concretização do ideário de liberdade estariam relacionadas à denúncia contida nestas gravuras? 
6. Há alguma relação entre as ideias do panfleto (evidência histórica 1) e as gravuras (evidências históricas 2 e 3)? Explique.

19.8.25

Exercícios sobre Iluminismo

 

Montesquieu

A divisão dos poderes – De que forma seria possível impedir a tirania?

“Existem três espécies de governo: o republicano, o monárquico e o despótico [...]. O governo republicano é aquele no qual o povo em seu conjunto, ou apenas uma parte do povo, possui o poder soberano; o monárquico, aquele onde um só governo, mas através de leis fixas e estabelecidas; ao passo que, no despótico, um só, sem lei e sem regra, impõe tudo por força de sua vontade e de seus caprichos. [...] Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder. [...]

Existem em cada Estado três tipos de poder: o Poder Legislativo, o Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o Poder Executivo daqueles que dependem do direito civil.

Com o primeiro, o príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes ou julga as querelas entre particulares. [...]

A liberdade política, em um cidadão, é esta tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem sobre sua segurança; e para que se tenha liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer o outro cidadão.

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistrados, o Poder Legislativo está reunido ao Poder Executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo Senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do Poder Legislativo e do Executivo. Se estivesse unido ao poder Legislativo, o poder sobre a vida e a morte dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes”

 

MONTESQUIEU. O espírito das leis.

 

1.     Segundo Montesquieu, quais os tipos de governo que existiam e suas características?

2.     Segundo Montesquieu, quantos tipos de poder existem em cada Estado? Quais são eles e que papeis cada um desempenha?

3.     Segundo o texto, quais são os riscos da concentração de poderes em uma determinada pessoa?

 

Rousseau e Locke

Rousseau – “O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: isto é meu, e encontrou pessoas suficientemente simples para acredita-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “Defendei-vos de ouvir esse impostor, estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém”.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a desigualdade. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p.259.

 

Locke – “Vê-se claramente que os homens concordaram com a posse desigual e desproporcional da terra, tendo encontrado, por um consentimento tácito e voluntário, um modo pelo qual alguém pode possuir com justiça mais terra que aquela cujos produtos possa usar, recebendo em troca do excedente ouro e prata que podem ser guardados sem prejuízo de quem quer que seja, uma vez que esses metais não se deterioram nem apodrecem nas mãos de quem possui”.

LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, p.428.

 

4.     Segundo Rousseau, como teria surgido a sociedade civil?

5.     Qual é a opinião de Rousseau sobre a propriedade privada da terra?

6.     Segundo Locke, é justo que uma pessoa possua mais que a outra? Justifique.

7.     Podemos considerar as visões dos dois autores semelhantes ou diferentes? Explique.


Diderot e d´Alembert

“Nenhum homem recebeu da natureza o direito de comandar os outros. A liberdade é um presente do céu, e cada indivíduo da mesma espécie tem o direito de gozar dela logo que goze da razão. [...] Toda outra autoridade [...] vem duma outra origem, que não é da natureza. Examinando-a bem, sempre se fará remontar a uma dessas fontes: ou a força e a violência daquele que dela se apoderou; ou o consentimento daqueles que lhe são submetidos, por um contrato celebrado ou suposto entre eles e aquele a quem deferiram a autoridade. O poder que se adquire pela violência não é mais que uma usurpação e não dura senão pelo tempo porque a força daquele que comanda prevalece sobre a daqueles que obedecem. [...] O poder que vem do consentimento dos povos supõe necessariamente condições que tornem o seu uso legítimo útil à sociedade, vantajoso para a república, e que fixam e restringem entre limites”.

Diderot e D´Alembert. Verbetes políticos da Enciclopédia. São Paulo: Unesp, 2006, p.37.

 

8.     Qual é a ideia defendida pelos autores?

9.     Como se justifica o uso abusivo do poder?

Exercícios sobre as Inconfidências

 

Exercício 1 – Inconfidência Mineira


(...) Nas últimas décadas do século XVIII, a sociedade mineira entrará em uma fase de declínio, marcada pela queda contínua da produção de ouro e pelas medidas da Coroa no
sentido de garantir a arrecadação do quinto. Se examinarmos um pouco a história pessoal dos inconfidentes, veremos que tinham também razões específicas de descontentamento. Em sua grande maioria, eles constituíam um grupo da elite colonial, formado por mineradores, fazendeiros, padres envolvidos em negócios, funcionários, advogados de prestígio e uma alta patente militar, o comandante dos Dragões [Regimento do Exército], Francisco de Paula Freire de Andrade. Todos eles tinham vínculos com as autoridades coloniais na capitania e, em alguns casos (...) ocupavam cargos na magistratura.

José Joaquim da Silva Xavier constituía, em parte, uma exceção. Desfavorecido pela
morte prematura dos pais, que deixaram sete filhos, perderá suas propriedades por dívidas e tentara sem êxito o comércio. Em 1775, entrou na carreira militar, no posto de alferes, no grau inicial do quadro de oficiais. Nas horas vagas, exercia o ofício de dentista, de onde veio o apelido de algo depreciativo de Tiradentes.


FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2001. p. 115.


Questões:

a. Como estava Minas Gerais nas últimas décadas do XVIII?

b. Quem eram os inconfidentes? Qual a diferença de Tiradentes para os outros?


Exercício 2 – Conjuração Baiana

 

Essa tipologia considera as seguintes “classes de réus” com culpabilidade decrescente: primeira classe: os principais cabeças da sedição; segunda classe: os aderentes “que prestaram seu consentimento e convidaram várias pessoas”; terceira classe: os eventuais participantes de reuniões de caráter sedicioso e que não os denunciaram às autoridades; quarta classe: os que convidados para esses eventos ou por qualquer meio sabedores destes, ainda que não aceitassem participar deles e fossem contrários ao que se pretendia, por não relatarem o que era de seu conhecimento (ou suspeição) não cumpriram com a “mais essencial obrigação de um vassalo”, por qualquer motivo que fosse.

JANCSÓ, Istvan. Na Bahia, contra o Império. São Paulo: Hucitec, 1996, p.151-152.

As punições atribuídas a cada grupo foram: os réus da primeira classe deveriam ser enforcados e esquartejados; os da segunda classe seriam degredados; os da terceira deveriam ser presos e os da quarta seriam absolvidos. Eis o quadro das condenações:

 

Pena

Pardos e negros

Brancos

Morte

5

0

Degredo

9

2

Prisão

0

4

Absolvição

7

5

Total

21

11


Analisando os dados, responda:

a. Com base nos dados da tabela, pode-se considerar que a Conjuração Baiana representava os interesses de um único grupo social? Por que?

b. Qual a proporção de pardos e negros entre os participantes do movimento?

c. Qual a proporção dos brancos absolvidos? E dos réus de cor parda ou negra absolvidos?

d. Apesar de vários setores da sociedade baiana terem participado da Conjuração, até como lideranças, apenas os réus que não eram brancos foram condenados à morte. Como você explicaria isso?

8.8.25

Nazifascismos

 

No cerne desse aparente mistério existia uma visão de mundo (Weltanschaug) milenar, segundo a qual os judeus eram a fonte de todos os males – especialmente o internacionalismo, o pacifismo, a democracia e o marxismo – e ainda responsáveis pelo advento do cristianismo, do iluminismo e da maçonaria. Foram taxados de “agentes de decomposição” e “degeneração racial”. Foram identificados com a fragmentação da civilização urbana, com o ácido solvente do racionalismo crítico e com o relaxamento da moralidade. Estariam por trás do “cosmopolitismo desenraizado”, característico do capital internacional e da ameaça de uma revolução mundial. Em suma, os judeus eram o Weltfeind – “o inimigo do mundo”, contra o qual o nacional socialismo definia sua grandiosa utopia social, um Reich de mil anos.

Robert Wistrich. Hitler e o holocausto. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p.13-14.

Nazifascismos

 

O holocausto constituiu um crime sem precedente contra a humanidade, visando o extermínio de toda a população judaica da europa, até o ultimo homem, até a última mulher, a última criança. Tratava-se de uma política definida, arquitetada, por parte de um Estado poderoso, o Reich nazista, que, com o proposito de destruir um povo, mobilizou todos os recursos disponíveis. Os judeus não foram condenados à morte por causa de crenças religiosas, nem de inclinações políticas. Tampouco configuravam uma ameaça econômica ou militar ao Estado nazista. Não foram mortos pelo que fizeram, mas pelo simples fato de existirem.

Nascer judeu, aos olhos de Adolf Hitler e do regime nazista significava, a priori, não pertencer ao gênero humano e, portanto, não ter direito a vida.

Robert Wistrich. Hitler e o holocausto. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p.13-14.

Nazifascismos

 

O Jovem Hitlerista Quex, de Hans Steinhoff, fez muito sucesso e conta a história de um jovem convertido ao nazismo, assassinado pelos comunistas quando panfleteava em bairros pobres de Berlim. O roteiro é bastante sugestivo: Quex é levado a um piquenique comunista, mas se assusta com a libertinagem [sexo livre, homossexualismo, bebida em excesso, drogas, sujeira e bagunça] do ambiente. O som da marcha militar, ao longe, o fascina. Em casa, ao repetir a música para a mãe, é surpreendido pelo pai, comunista, alcoólatra e mau caráter, que o obriga a cantar A Internacional [hino comunista], sob pancadas. Em dificuldade, Quex recebe a solidariedade dos companheiros nazistas que o protegem. Enquanto agoniza, Quex tem a visão de milhares de jovens hitleristas uniformizados.

O Eterno Judeu foi apresentado como um documentário educacional. Neste filme, os judeus raramente trabalham. Os judeus constituem uma raça de parasitas que se espalham pela face da Terra; como o judeu, o rato marrom, que também se espalhou pela Europa, aparece na tela um mapa e um fervilhante exército de ratos. Comentário em off do locutor: “São repelentes, covardes e se movimentam aos bandos”.

LENHARO, Alcir. Nazismo, o triunfo da vontade. São Paulo: Ática, 1986, p.56-58.

Nazifascismos

 

O historiador alemão Gotz Aly afirma que Hitler conseguiu cooptar a população alemã não com seus discursos manipuladores ou com a defesa do ódio racial, mas oferecendo benefícios sem precedentes aos seus súditos mais pobres. Implacável contra os inimigos, mas grande benfeitor para seus seguidores – a versão do Hitler “boa praça” é o novo quadro que se tenta desenhar do ditador que comandou o III Reich.

Gotz Aly resume assim o objetivo de seu livro: Quero fazer uma pergunta simples que nunca foi realmente respondida: como pôde ter acontecido? Como os alemães permitiram e cometeram crimes de massa sem precedentes, particularmente o genocídio dos judeus europeus? Sua resposta é que isso aconteceu porque a grande maioria do povo alemão foi beneficiada pela matança e, por essa razão, permaneceu omissa aos crescentes horrores do regime de Hitler.

Arthur Felipe Artero. Hitler boa-praça. Aventuras na História. São Paulo: Abril, n.5, maio 2006.

Nazifascismos

 

O fascismo não crê, nem na possibilidade, nem na utilidade de uma paz perpétua. Só a guerra leva ao máximo de tensão todas as energias humanas e marca com um sinal de nobreza os povos que tem a coragem de afrontá-la.

Para nós, fascistas, a vida é um combate contínuo e incessante. O fascismo não é apenas legislador e fundador de instituições: é também educador. Deseja refazer o homem, o caráter, a fé. E, para atingir esse fim, exige uma autoridade e uma disciplina que penetrem nos espíritos e aí reinem completamente.

O princípio essencial da doutrina fascista é a concepção de Estado. Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado. O indivíduo está subordinado às necessidades do Estado e, à medida que a civilização assume formas cada vez mais complexas, a liberdade do individuo se restringe cada vez mais. Nós representamos um princípio novo no mundo, representamos a antítese nítida, categórica, definitiva da democracia, da plutocracia, da monarquia, em suma, de todo o mundo dos imortais princípios de 1789

(Benito Mussolini. O fascismo)

Nazifascismos

 

A ascensão da direita radical [fascismo italiano e nazismo alemão] após a Primeira Guerra Mundial foi sem dúvida uma resposta ao perigo, na verdade à realidade, da revolução social e do poder operário em geral, e à Revolução de Outubro e ao leninismo em particular. Sem esses não teria havido fascismo algum

Teria o fascismo se tornado muito significativo na História não fosse a Grande Depressão? É provável que não. Após a recuperação econômica de 1924, o Partido dos Trabalhadores Nacional-Socialistas foi reduzido de 2,5 a 3,5% do eleitorado. Contudo, em 1928, havia subido para mais de 18% do eleitorado. Quatro anos depois, em 1932, era de longe o mais forte, com mais de 37% dos votos. Está claro que foi a Grande Depressão que transformou Hitler de um fenômeno da periferia politica no senhor potencial, e finalmente real, do país”.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.127, 132-133.

30.6.25

Vale a pena tacar fogo no Borba Gato?

 

Para começar, ela homenageia um bandeirante. Confesso que nunca entendi a obsessão de meus conterrâneos paulistas pelas bandeiras. Se é verdade que os sertanistas que lideravam essas expedições ao interior do Brasil colonial podem ser descritos como desbravadores que trouxeram riquezas para o país —essa era a interpretação historiográfica predominante quando eu era criança—, é igualmente verdade que eles dedicavam boa parte de seus esforços a escravizar índios e a caçar escravos fugidos --atividades cuja moralidade pode ser contestada não só hoje mas também na época em que ocorreram.

Também é possível desgostar da estátua por motivos estéticos. Justa ou injustamente, o Borba Gato é tido como uma das coisas mais feias de São Paulo. Não entro nessa polêmica.

Qualquer que seja a razão para odiar a estátua, incendiá-la
é péssima ideia. Em primeiro lugar, não se faz uma fogueira de 13 metros no meio da rua sem colocar pessoas em perigo. Em segundo, mesmo que toda a sociedade concorde que não devemos mais celebrar bandeirantes, isso não significa que estátuas (que são patrimônio público) devam ser destruídas.

Meu furor preservacionista tem uma explicação histórica. Sempre que grupos imbuídos de certezas morais se tornam majoritários, não hesitam em apagar as marcas da ideologia anterior, causando grandes prejuízos para as artes e a historiografia. Foi o que fizeram recentemente o Taleban e o Estado Islâmico ao destruir sítios arqueológicos de culturas pré-islâmicas. Foi o que fizeram cristãos nos primeiros séculos do primeiro milênio, ao vandalizar templos e esculturas e queimar livros pagãos.

Como desconfio de certezas, prefiro manter as estátuas intactas, ainda que relegadas a parques dos enjeitados ou escondidas nos porões de museus.


5.6.25

Trabalhadores imigrantes no Brasil - Século XIX

Trabalhadores imigrantes no Brasil - século XIX/XX

Leide Alvarenga Turini

 

Mesmo antes da abolição legal da escravidão no Brasil em 1888, alguns segmentos da classe dominante brasileira, sobretudo os cafeicultores do oeste paulista, demonstravam interesse pela adoção da mão de obra do trabalhador imigrante. [...]

Não foi por acaso que os cafeicultores brasileiros optaram pela mão de obra do imigrante e também não foi sem razão que trabalhadores europeus emigraram para o Brasil. Em países como a Inglaterra, França, Itália, Alemanha, o processo de industrialização, entre os séculos XVIII e XIX, fez-se à custa da exploração do trabalho dos operários urbanos e da expulsão dos trabalhadores rurais, do campo. Esses últimos, impedidos de obter a subsistência por meio do cultivo da terra dirigiram-se para as cidades onde engrossaram as fileiras dos desempregados ou se submeteram ao regime de trabalho das fábricas. A Itália, que forneceu um dos maiores contingentes de imigrantes para o Brasil, passava à época por crises políticas e sociais responsáveis por elevados índices de desemprego. Por outro lado, as medidas adotadas pelos Estados Unidos no período, restringindo a imigração para aquele país, atraíram para o Brasil um elevado número de imigrantes.

Desta maneira, o trabalhador europeu, sem nenhuma propriedade, dono apenas de sua força de trabalho e que acreditava que o trabalho no Brasil seria fonte de enriquecimento e segurança, era o trabalhador ideal na perspectiva capitalista dos proprietários brasileiros.

Assim é que, no século XIX, milhares de imigrantes (alemães, suíços, italianos, espanhóis, portugueses, entre outros) entraram no Brasil trazendo na bagagem apenas alguns objetos de uso pessoal e na cabeça o sonho de “fazer a América”. Para a concretização da imigração em massa de trabalhadores europeus para o Brasil, um fator que muito contribuiu foi a intensa propaganda feita pelo governo brasileiro na Europa. [...]

Os trabalhadores imigrantes vinham para o Brasil em busca de uma vida melhor, diferente daquela que levavam em seu país de origem. Fugiam do desemprego e da fome e acreditavam, por força da propaganda, que no Brasil teriam acesso à terra (como os primeiros imigrantes que vieram para o Brasil no início do século XIX) e que poderiam construir uma nova vida. 

Antes da vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras, algumas experiências já haviam sido realizadas com colonos europeus no Brasil. Por exemplo, no início do século XIX, com o objetivo de promover o povoamento de algumas regiões do país, o governo brasileiro criou o sistema de colonização que consistia na instalação de imigrantes em pequenas propriedades de terra. Por esse sistema, as famílias de colonos imigrantes recebiam pequenos lotes de terra onde deveriam produzir principalmente gêneros alimentícios para o mercado interno. 

Pelo sistema de colonização chegaram ao Brasil, nas primeiras décadas do século XIX, imigrantes alemães e suíços que se estabeleceram no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Colônias como a de São Leopoldo (1824) no Rio Grande do Sul e a de São Pedro de Alcântara (1828), em Santa Catarina, foram criadas dentro dos princípios do sistema de colonização. Mais tarde outras colônias foram fundadas, como a colônia Dona Francisca (hoje Joinville) e a colônia de Blumenau (1850), em Santa Catarina. 

As colônias estabelecidas no sul do país não representavam uma ameaça para os cafeicultores do sudeste nem para os pecuaristas gaúchos uma vez que se localizavam em áreas não ocupadas pelo latifúndio e produziam gêneros que não concorriam com os da grande lavoura. Esperava-se desses colonos imigrantes que, ao receberem terras, formassem uma camada social intermediária entre escravos e latifundiários (a categoria social dos pequenos proprietários) com a tarefa de produzir vários gêneros para o mercado interno, atendendo às necessidades dos latifúndios (cuja base era a monocultura de exportação) e dos núcleos urbanos em expansão.

Mas foram poucos os colonos imigrantes que receberam terras e subsídios do governo brasileiro, principalmente a partir da aprovação da lei de terras de 1850. Esta lei proibiu a aquisição de terras devolutas por posse ou doação. A partir de então, a terra só poderia ser adquirida mediante título de compra. Essa lei provocou a expulsão de muitos posseiros, bem como impediu que outros trabalhadores nacionais e também imigrantes tivessem acesso à terra. O sistema de colonização seguiu sendo implantado no sul do país nas décadas de 1870 a 1890, com a ocupação de terras na Serra Gaúcha e no Planalto Médio por parte de imigrantes, especialmente italianos e poloneses.


A partir da década de 1840, quando os proprietários paulistas passaram a defender a vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras de café, adota-se o sistema de parceria. A primeira experiência ocorreu em 1847, na Fazenda Ibicaba (região de Limeira/SP), cujo proprietário era o senador Nicolau Vergueiro. Para o transporte dos imigrantes o senador Vergueiro fundou a empresa Vergueiro e Cia. Os trabalhadores imigrantes contratados eram todos camponeses empobrecidos, artesãos e operários que esperavam encontrar no Brasil o que na Europa estavam impossibilitados de obter: acesso à terra, bens materiais e condições dignas de vida.

De acordo com o contrato de parceria, os colonos tinham todas as despesas de viagem pagas e transporte até a fazenda. Os gastos com manutenção e instalação da família, efetuados logo após a chegada dos mesmos corriam também por conta do fazendeiro. Essa gratuidade era, na verdade, apenas um adiantamento: logo que o colono iniciasse a produção deveria começar a pagar o fazendeiro com juros de 6% ao ano e, mais tarde, juros de até 12% ao ano. A cada família de colonos imigrantes era atribuído um certo número de pés de café para cultivar, colher e secar, além de um pedaço de terra para plantar gêneros de subsistência. Do lucro obtido com o café colhido, o colono deveria receber a metade, descontando-se, porém, todos os gastos com a secagem no terreiro, limpeza, beneficiamento, transportes e impostos. O fazendeiro ficaria também com a metade do lucro dos alimentos vendidos pelos colonos.

Ainda com pouco tempo de funcionamento, o sistema de parceria acarretou vários problemas que acabaram em sérios conflitos entre as duas partes. Os colonos acusavam os fazendeiros de lhes destinar poucos cafeeiros frutíferos que produziam uma safra pequena e em terras menos acessíveis. Reclamavam dos pesos e medidas utilizados pelos proprietários que avaliavam a mercadoria em prejuízo dos colonos. Criticavam a falta de liberdade religiosa e as moradias em que eram instalados: casas de pau-a-pique, sem forro, de chão batido e, em algumas vezes, até antigas senzalas. Consideravam injusta a entrega de metade da produção de sua roça ao fazendeiro e desonesta a contagem dos juros. Além disso, muitos fazendeiros, ao contrário do que haviam prometido anteriormente, cobravam aluguel dos colonos. O endividamento dos colonos era permanente, pois além das dívidas contraídas com a viagem, havia também as dívidas feitas nos armazéns das fazendas. Durante o tempo em que o colono não podia colher seus próprios alimentos e, em virtude do pouco que recebiam, eram obrigados a comprar fiado nos armazéns do fazendeiro. Este comprava os alimentos a preços reduzidos e os fornecia aos colonos a preços altíssimos. Dessa maneira, muitos imigrantes endividaram-se de maneira irrecuperável, sendo que a dívida chegava a dobrar ou até mesmo triplicar seu valor em dois ou três anos e o colono acabava ficando preso ao fazendeiro, quase como um escravo.

Os colonos não se acomodaram a esta situação. Inicialmente realizaram protestos pacíficos enviando reivindicações e críticas por escrito às autoridades locais e internacionais. Depois, recusaram-se a trabalhar e pouco a pouco muitas famílias abandonaram as fazendas. Foram inúmeros os casos de greves, rebeliões, prisões e queixas entre colonos e fazendeiros. Por outro lado, os fazendeiros se sentiam ameaçados e acusavam os colonos de indisciplinados, reclamando das frequentes deserções de suas fazendas. Quando eram consultados sobre maneiras de melhorar o sistema, sugeriam financiamento do governo, fiscalização e repressão policial.

Durante a década de 1860 as fazendas de café foram abandonando o sistema de parceria e, na década de 1880, iniciou-se o sistema de imigração subvencionada ou subsidiada. Os fazendeiros paulistas organizaram, em 1886, a Sociedade Promotora de Imigração que, entre outras atividades, passou a administrar a Hospedaria dos Imigrantes, construída no mesmo ano em São Paulo, e que se tornaria um verdadeiro mercado de trabalho onde se firmavam contratos entre imigrantes e fazendeiros. Na imigração subvencionada, diferente do que ocorria no sistema de parceria, o governo brasileiro assumia a responsabilidade de arcar com as despesas de viagem dos trabalhadores imigrantes e de suas famílias e os fazendeiros arcavam com os gastos do colono durante o seu primeiro ano de vida no país. Além disso, os colonos receberiam um salário fixo anual e mais um salário de acordo com o volume da colheita, fixado por alqueire de café produzido.

Entretanto, mesmo após a imigração subvencionada, as condições de moradia, saúde e educação dos trabalhadores imigrantes continuaram muito ruins e o sonho de ter acesso a terra concretizou-se para bem poucos. Muitos deles, após certo tempo trabalhando nas lavouras de café, tomavam o rumo das cidades a procura de trabalho nas fábricas ou em outras atividades urbanas. Em 1902, o governo da Itália proibiu a imigração subvencionada para o Brasil e os fazendeiros passaram a se interessar pela imigração de trabalhadores portugueses e espanhóis. Em 1910, o governo espanhol também proibiu a emigração subsidiada. A partir de 1908 chegaram ao Brasil imigrantes japoneses, os quais passaram a integrar a força de trabalho nas lavouras de café e em outras atividades agrícolas do país.

Bibliografia:

ALENCAR, Francisco e outros. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986, p. 143-148.

AZEVEDO, Célia M.M. Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das elites – século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

REVISTA TRABALHADORES. Imigrantes. Publicação da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas: 1989.