25.6.19

A tomada de Jerusalém vista pelos muçulmanos


“A população foi passada ao fio da espada e os francos massacraram os sarracenos da cidade por uma semana. [...] Na mesquita de Al-aqsa, pelo contrário, os francos massacraram mais de 70.000 pessoas, entre as quais grande multidão de imãs e de doutores sarracenos, devotos e ascetas que tinham deixado suas terras para viver vida piedosa retirados nesse lugar santo”.

Ibn al-Athir. In: Gabriel, F. Croniques árabes des croisades. Paris: Sinbad, 1977, p.62.

“Os exilados ainda tremem cada vez que falam nisso, seu olhar se esfria como se eles ainda tivessem diante dos olhos aqueles guerreiros louros, protegidos de armaduras, que espalham pelas ruas o sabre cortante, desembainhado, degolando homens, mulheres e crianças, saqueando as mesquitas.
O destino dos judeus de Jerusalém foi igualmente atroz. Nas primeiras horas da batalha, vários deles participaram da defesa de seu bairro, a Judiaria, situada ao norte da cidade [...] A comunidade inteira, reproduzindo um gesto ancestral, reuniu-se na sinagoga principal para rezar. Os francos então bloquearam todos os acessos. Depois, empilhando feixes de lenha em torno, atearam fogo. Os que tentavam sair eram mortos nos becos vizinhos, os outros eram queimados vivos”.

MAALOUF, Amin. As cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Brasiliense, 1988, p.12.

Glossário
Francos: nome pelo qual os muçulmanos chamavam os cristãos.
Sarracenos: nome pelo qual os muçulmanos eram conhecidos na Idade Média.
Imãs: ministros da religião islâmica
Ascetas: pessoas virtuosas e piedosas
Exilados: referência aos que conseguiram fugir de Jerusalém.
Gesto ancestral: gesto repetido já muito tempo.

A tomada de Jerusalém vista pelos cristãos


“Na quarta e quinta-feira [13 e 14/7/1099] nós atacamos sucessivamente a cidade, de todos os lados. Mas antes de toma-la de assalto, os bispos e padres decidiram por suas pregações e exortações que se faria em nome de Deus uma procissão em torno das muralhas de Jerusalém, acompanhada de preces, esmola e jejum.
Na sexta-feira [15/07] de madrugada, organizamos um assalto geral à cidade sem poder toma-la. Estávamos estupefatos e com grande medo, pois aproximava-se a hora em que Nosso Senhor Jesus Cristo consentiu em sofrer por nós o suplício da cruz. [...] os nossos os perseguiram [os muçulmanos], matando-os e golpeando-os, até o Templo de Salomão, onde houve uma tal carnificina que os nossos marcharam em seu sangue até os calcanhares”.

Gesta Francorum et Aliorum Hierosolimitanorum. Paris: Librarie Ancienne Honoré Champion, 1924, p.202.

“Guerreiros a pé e cavaleiros fizeram um caminho através dos cadáveres. Mas tudo isso era pouca coisa. [...] O que se passou nesses lugares? Se dissermos a verdade, ultrapassaremos os limites do que é possível crer. Será suficiente que, no Templo e no Pórtico de Salomão, cavalgava-se em sangue até os joelhos dos cavaleiros e até aos arreios dos cavalos. Justo e admirável julgamento de Deus, que quis que este lugar recebesse o sangue daqueles que blasfemaram contra Ele durante tanto tempo”.

Raymond D´Aguillers. In: CALMETTE, Joseph. Textes et documents d´Historie. Paris: P.U.F., 1953, tomo II, p.96.

Arquitetura das Igrejas


“As esculturas, as pinturas murais, os mosaicos, os vitrais, colocados em igrejas, mosteiros e catedrais em locais visíveis a todos, transmitiam mensagens ao alcance desse público mais amplo.”

“O fundamental continuava a ser a arquitetura religiosa, mas as catedrais góticas contavam, para serem erguidas, com a indispensável colaboração da burguesia local e da monarquia.”

“Concebia-se Deus como luz (daí os vitrais) e valorizava-se seu lado humano (daí o culto à Virgem Maria).”

FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média, nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006, p.110-111.

Glossário
Mosaico: decoração formada pela reunião de peças coloridas
Gótico: estilo de arte presente nas catedrais. Apresenta vitrais, grandes colunas e tetos altos
Burguesia: comerciantes
Monarquia: tipo de governo exercido por apenas uma pessoa, podendo ser um rei ou rainha.

Figura 1. Catedral de Notre-Dame, Paris.

Figura 2. Interior da Catedral de Notre-Dame, Paris.

Figura 3. Vitrais da Catedral de Notre-Dame, Paris.

Figura 4. Vitrais da Catedral Notre-Dame, Paris.

Figura 5. Detalhe dos vitrais da Catedral Notre-Dame, Paris

Monge e iluminura


“Cada mosteiro, preocupado em ter um exemplar de determinadas obras consideradas básicas, mantinha copistas para que, apesar de lenta e custosamente, fosse formada sua biblioteca. Quase toda a Igreja de importância média tinha uns 200 ou 300 livros, enquanto o mosteiro de Fulda, na Alemanha, devia parte de seu prestígio ao fato de possuir cerca de 1.000 volumes.”

“Para acelerar essa atividade copista e minimizar os erros de transcrição, buscava-se já havia algum tempo desenvolver uma caligrafia menos desenhada, que apresentasse maior regularidade. Uma caligrafia mais prática, cursiva, que implicasse menor número de movimentos com as mão.”

FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média, nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006, pp.107-108.

Glossário
Mosteiro: comunidade religiosa onde os monges vivem.
Transcrição: cópia
Caligrafia: letra


Figura 1. Monge copista

Figura 2. Livro Decretum Graciano. Bélgica, c. 1280-1290.

17.6.19

Histórias da Arábia - Trecho 10


Convencido de que somente ele resolveria o problema, o chefe Hassan tomou a tarefa a si. Tendo localizado a casa de Ali-Baba graças ao remendão, fixou-a na mente sem deixar marca alguma na porta. Mandou fazer 38 vasos grandes de barro. Chegando a casa de Ali Babá, disfarçou-se de mercador de azeite e pediu pouso, que foi aceito. No pátio, o chefe espalhou os vasos, que eram para azeite. Mas dentro deles estavam os outros 37 ladrões, e em apenas um estava o azeite. Durante a noite, Manara percebeu que não havia azeite em casa e foi buscar no pátio. Porém, o que foi encontrando foram os ladrões. Percebendo a armadilha, Manara ferveu o azeite encontrado em um dos vasos e jogou nos outros, assim queimando os 37 ladrões. Ao perceber que seus companheiros foram fervidos, Hassan fugiu.

Mas ainda faltava Hassan e esse não desistira. Então, disfarçou-se de mercador, com loja ao lado da do filho de Ali Babá, tendo boas relações com este. Como cordialidade, Ali Babá convidou Hassan para um jantar. Ali, sua escrava Manara disfarçou-se de dançarina. Dançou tudo o que tinha direito. Até que, em um momento, pegou o punhal que estava escondido em seu vestido e matou Hassan. Ali Babá reconhecera o chefe dos ladrões, que havia visto em cima da arvore no primeiro dia. Então, Ali Babá ofereceu a seu filho a mão de Manara, a libertando. Então, Ali Babá pode usufruir de toda a riqueza que estava na gruta, tornando-se o homem mais rico da cidade.

Histórias da Arábia - Trecho 9


Supondo que o cadáver do intruso continuava a putrefazer-se na caverna, os quarenta ladrões abstiveram-se de frequentar o esconderijo durante um mês inteiro. Quando voltaram à gruta e não encontraram o cadáver, preocuparam-se e reuniram-se para avaliar o perigo. "O homem que matamos tinha um cúmplice", disse o chefe. "Enquanto não o identificarmos e liquidarmos, nossas vidas e essas riquezas que nossos antepassados e nós temos feito tantos sacrifícios para juntar estarão correndo perigo. Após discutir longamente o assunto, concordaram no seguinte plano: enviariam um voluntário deles à cidade para tentar identificar o intruso. Se conseguisse, seria coberto de louvores. Se falhasse, teria a cabeça cortada.

Um deles ofereceu-se para a tarefa. Disfarçando-se em mercador, foi à cidade e, por sorte sua, a única loja que encontrou aberta era a do remendão que costurara o corpo de Kassem. Entrou, fez-se amigo do homem e felicitou-o pela habilidade com que estava confeccionando uns chinelos de luxo. Lisonjeado, o remendão replicou: "O que terias dito se me tivesses visto coser os seis pedaços de um morto e restituir-lhe a forma?" O falso mercador ficou encantado com a coincidência, e disse estar curioso por visitar a casa onde essa operação fora feita. Após pagamento de duas moedas de ouro, o remendão disse onde era a casa. Estavam, de fato, diante da casa de Ali-Baba. O ladrão marcou a porta com um pedaço de giz que trouxera. Não sabia que assinava assim o decreto de sua morte.

Pois, ao voltar para casa, a astuta escrava Manara reparou no sinal e pensou: "Esta marca não se fez por si mesma. A mão que a traçou só pode ser a de um inimigo. Precisamos despistá-lo e desviar o golpe que prepara." Com um giz, foi repetir a marca em todas as portas da rua. Quando os ladrões entraram na cidade para assaltar a casa marcada, viram que todas as casas exibiam a mesma marca. O infeliz voluntário teve a cabeça cortada. Outro voluntário ofereceu-se e, aproveitando as informações do primeiro, foi ao remendão e convenceu-o a levá-lo àquela casa. Desta vez, o ladrão marcou a porta com um sinal vermelho. Mas Manara percebeu o sinal e repetiu a façanha. E a quadrilha perdeu mais um de seus componentes.

Histórias da Arábia - Trecho 8


Movido pela inveja, Kassem foi à caverna com dez mulas para pegar tudo o que conseguisse, mas era muita riqueza que tinha lá dentro. Porém, esquecera-se da frase para abrir a porta: Abre-Te Sésamo! Voltando ao rochedo, gritou: "Abre-te, Cevada!" Mas o rochedo não se moveu. Kassem deu-se conta de que tinha esquecido, sob o impacto da emoção, o nome do grão que integrava a fórmula mágica. Tentou todos os nomes que lhe assomavam à mente: Abre-te, Centeio!" Abre-te, Milho!" Abre-te, Arroz!" Não usou o único nome certo, e o rochedo permaneceu fechado. Era, literalmente, a aplicação da advertência do Profeta acerca dos perversos: Alá privá-los-á do dom da inteligência e deixá-los-á a tatearem nas trevas.

Por volta de meio-dia, os quarenta ladrões retornaram à caverna, encontraram Kassem no estado de um animal feroz acuado, esquartejaram-no, não se preocuparam muito em descobrir como entrara e voltaram às estradas em busca de caravanas para saquear. Como Kassem não regressasse para casa nem naquela noite nem no dia seguinte, sua mulher alarmou-se e, com falsas palavras de afeto, foi à casa de Ali-Baba pedir que a ajudassem a encontrá-lo. Ali-Baba, que amava o irmão, ficou preocupado com ele e foi procurá-lo na floresta. Chegando à porta do rochedo e vendo lá traços de sangue, mandou a porta abrir, pressentindo o pior. Encontrou o corpo do irmão cortado em pedaços.

Ali-Baba contou-lhe o acontecido, e acrescentou: Alá é generoso e deu-me riquezas para além de minhas necessidades. Se, depois da tragédia irremediável que te atinge, ainda for possível encontrar qualquer coisa capaz de consolar-te, ofereço-te a metade dos bens que Alá me concedeu e a integração em minha família na qualidade de segunda esposa. Na mãe de meus filhos, encontrarás uma amiga. E assim viveremos unidos e felizes, e cultivando a memória do defunto amado." Alá, que pode tudo, iluminou o coração desta alcoviteira e libertou-a de todas as taras. Aceitou a oferta de Ali Baba e transformou-se numa mulher de bem. Então, um senhor costurou o corpo de Kassem, que fora dividido em seis partes pelos ladrões.

Histórias da Arábia - Trecho 7


Após esperar um tempo suficiente, Ali-Baba desceu da árvore e, levado por uma curiosidade que transformava sua pusilanimidade habitual em audácia, foi até o rochedo e bradou: Abre-te, Sésamo!" E a rocha abriu-se. Viu uma extensa galeria que levava a uma sala espaçosa, iluminada por fendas no teto. Entrou e achou-se diante de tantos tesouros acumulados. Passado o primeiro susto, Ali-Baba encheu três sacos grandes de lingotes e moedas de ouro, carregou-os sobre seus três burros e foi para casa. Encontrando a porta fechada, gritou: Abre-te, Sésamo!" E a porta abriu-se. Diante dos enormes sacos cheios de ouro, a mulher de Ali-Baba concluiu que ele se tinha associado a uma quadrilha de ladrões. Mas Ali-Baba, após despejar todo o ouro dos sacos no seu pequeno quarto, contou à mulher de onde vinha esse ouro. A mulher passou da revolta à alegria e quis contar as moedas e os lingotes. Objetou Ali-Baba: Ajuda-me, antes, a cavar um poço no chão da cozinha para esconder este ouro.

Então, foi pedir a esposa de Kassem uma rasa, instrumento de medição. Esta, desconfiada por conta da pobreza de sua cunhada, armou uma peça e colocou sebo no fundo da medida, e a entregou. Ali Babá contou tudo o que havia pegado, mas não percebeu o truque de sua cunhada, e uma das moedas de ouro ficou grudada na rasa. Então, Kassem foi a seu irmão e o ofendeu asperamente. Ali Babá, então, propôs dividir o que havia pego pela metade; não satisfeito, Kassem o pressionou e Ali contou como entrava e saia da caverna.

Histórias da Arábia - Trecho 6


Conta-se, ó rei afortunado, que viviam antigamente, numa das cidades da Pérsia, dois irmãos chamados Kassem e Ali-Baba. Quando seu pai morreu, herdaram o pouco que tinha, gastaram-no e, breve, acharam-se numa completa indigência. Kassem resolveu seu problema casando-se com uma donzela que possuía casa, comida e beleza. Ali-Baba, destituído de ambição, fez-se lenhador e, graças a seu empenho e parcimônia, conseguiu comprar sucessivamente três burros, que usava para transportar a lenha que cortava na floresta e vendia no mercado. Certo dia, enquanto se preparava para carregar os asnos, ouviu como o tropel de um exército. Não sabendo o que era e receando o pior, trepou numa árvore e se escondeu na sua ramagem. De lá, avistou um grupo de cavaleiros armados que avançavam para o lado onde ele estava. Vendo-os de perto com seu aspecto feroz, Ali-Baba concluiu que eram salteadores e ladrões. Contou-os. Eram exatamente quarenta. A um sinal de seu chefe, os homens pararam e apearam.

Cada um pegou o que tinham e, juntos, andaram até um grande rochedo. O chefe adiantou-se e, dirigindo-se ao rochedo, gritou: "Abre-te, Sésamo!” Imediatamente, o rochedo abriu-se em dois, dando acesso a uma gruta interna. Os ladrões entraram, e lá dentro, o chefe gritou de novo: "Fecha-te Sésamo!" E o rochedo se fechou. Pasmo, Ali-Baba decidiu permanecer no seu esconderijo até ver o que os quarenta homens fariam depois. Breve, a rocha abriu-se, e os quarenta ladrões saíram, carregando seus alforjes vazios, montaram nos cavalos e foram embora.

Histórias da Arábia - Trecho 5


Porém, o rei descumpriu o prazo e ofereceu a princesa em casamento ao filho do vizir Sua mãe ficou sabendo e foi para casa contar a Aladim. A reação de Aladim foi melhor do que a mãe receava. 'Trancou-se em seu quarto e esfregou a lâmpada. Logo apareceu o Afrit, proclamando: "Sou o mestre da terra, do ar e das ondas, mas escravo da lâmpada e do dono da lâmpada. Quais são tuas ordens, meu amo?" Disse Aladim: "O rei recebeu de mim um presente de jóias e me prometeu a mão da filha Badr Al Budur. Agora, está casando-a com o filho do vizir sem sequer devolver-me o presente. Não posso admitir isso. Esta noite, quando os nubentes deitarem na cama nupcial, e antes que tenham tempo de se tocar mutuamente, levanta a cama com os dois jovens e carrega-a até aqui. Cuidarei do resto”.

Então, o desejo aconteceu: Afrit trouxe os dois recém-casados e trancou o filho do vizir na latrina e o petrificou. Depois, Aladim dormiu com a princesa, separados por uma espada. Na manhã seguinte, Afrit recolocou os dois no palácio. A princesa estava chorando, assustada. Então, seu pai, o rei, desfez o casamento e entregou a mão de sua filha a Aladim. Informado pela mãe, Aladim quis fazer uma entrada suntuosa no palácio. Esfregou a lâmpada e ordenou ao Afrit: "Quero que me tragas um cavalo de raça sem igual no mundo e uma túnica que os especialistas avaliariam em mil milhares de dinares de ouro. E quero quarenta e oito belíssimas escravas" O gênio desapareceu e logo reapareceu com tudo que lhe fora pedido. Aladim fez uma entrada majestosa no palácio de seu futuro sogro.

Durante anos e anos, a vida de Aladim foi uma cadeia ininterrupta de dias felizes. Gozava do amor da mulher, da mãe, do povo e da admiração do rei, seu sogro. No entanto, nunca esquecia a sua infância de pobreza. Ajudou as camadas menos favorecidas da população e tornou-se o ídolo de todos. Sua coragem também se manifestou ao derrotar certas tribos que se rebelaram contra o sultão. Quando o rei morreu, Aladim herdou o trono e continuou na felicidade até a chegada do demônio da morte, demolidor de todas as alegrias e ladrão de todas as vidas.

Histórias da Arábia - Trecho 4


Um dia, quando passava na rua, ouviu dois pregoeiros do sultão anunciarem a chegada da princesa Badr Al-Budur, filha de nosso glorioso sultão. Ao saber disso, Aladim foi tomado por um desejo irresistível de ver a princesa, cuja beleza era celebrada por todos. Em vez de ir para casa, escondeu-se atrás da porta principal do palácio e pôde assim ver a belíssima princesa. Aladim concebeu uma paixão espontânea e incurável pela princesa. Perdeu o apetite e o sono. Emagreceu. Empalideceu. mãe ansiosa, explicou: "Não estou doente, mas não voltarei a ser eu mesmo até que receba do rei a mão de sua filha em casamento."

- Enlouqueceste, meu filho? Considera nossa modesta condição e a deles. Mesmo que queiras aventurar-te a fazer o pedido, quem o transmitirá ao rei? - Quem poderia eu encarregar de tal missão senão tu, querida mãe? Aladim tirou de seu esconderijo as pedras preciosas e arrumou-as sobre uma bandeja pela cor, o formato, o tamanho. Aladim comprou vestidos lindos para a mãe. E ela levou o presente e foi ao palácio real. O rei ficou deslumbrado com a beleza das pedras e disse a seu vizir: "Não achas que este Aladim que me presenteia com estas pedras é mais digno de minha filha que qualquer filho de rei?" O vizir mudou de cor, pois ele sonhava com a mão da princesa para seu filho. Solicitou ao rei um prazo de três meses para arrumar um dote mais precioso que as pedras de Aladim. O rei, que era conhecedor de pedras preciosas, sabia que ninguém seria capaz de tal façanha.

Histórias da Arábia - Trecho 3


Aladim seguiu o roteiro traçado e chegou até a lâmpada que o tio descrevera. Apanhou-a, escondeu-a na roupa e tomou o caminho da volta. Mas ao passar pelo jardim, reparou que as frutas penduradas nas árvores eram, na realidade, pedras de vidro colorido muito vistosas. Recolheu uma enorme quantidade delas, segurando-as de todos os modos até parecer um asno carregado. Quando voltou ao buraco inicial, o mouro perguntou-lhe: "Onde está a lâmpada?" - Está comigo. - Dá-me imediatamente. - Como posso fazê-lo? Está entre as mil frutas que apanhei nas árvores. Ajuda-me, primeiro, a sair daqui. Mas o dervixe, receando que Aladim tivesse descoberto o segredo da lâmpada e pretendesse guardá-la para si mesmo, e sendo ele próprio impedido pela magia de descer naquele buraco, perdeu a cabeça e gritou com uma voz terrível: "Filho de cachorro, entrega-me a lâmpada ou morre."

 – Ajuda-me, primeiro, a sair daqui, insistiu Aladim. Irritado, o mouro pronunciou palavras
mágicas que fizeram a placa de mármore tapar novamente a entrada do subterrâneo, pensando ter assim condenado Aladim a morrer sufocado naquele buraco. E espumando em convulsões, foi-se de volta para a África, sua terra.

Mas aconteceu que esfregou, sem saber como, o anel que lhe fora colocado no dedo pelo mágico. Imediatamente, um Afrit, negro e alto, materializou-se à sua frente, dizendo: "Sou o mestre da terra e das ondas, mas escravo do anel e do dono do anel. Que desejas, meu amo?" Aladim dominou seu terror e disse: "Ó mestre da terra e das ondas, tira-me desta caverna."

Imediatamente, a terra abriu-se e Aladim achou-se fora do buraco, em pleno sol. Viu à distância sua cidade natal e voltou rápido para casa e contou sua aventura à mãe. Sentindo fome e não havendo nada em casa para comer, deliberou com a mãe vender a lâmpada que trouxera da caverna e comprar mantimentos. Mas assim que a mãe esfregou a lâmpada para limpá-la, um enorme Afrit apareceu, dizendo: "Sou o mestre da terra, ar e mar, mas o escravo da lâmpada e do dono da lâmpada. Que queres de mim, meu amo?" Aladim respondeu: "Estou com fome. Traze-me um excelente repasto." O gênio desapareceu e reapareceu um momento depois, carregando uma bandeja de prata maciça com doze pratos de ouro contendo as comidas mais variadas e deliciosas. Quando, no dia seguinte, Aladim quis chamar o gênio de novo, sua mãe disse-lhe: "Morrerei de medo se chamares os gênios da lâmpada e do anel outra vez. Detesto a magia e aconselho-te jogar fora este anel e esta
lâmpada." Então, Aladim. passou a vender os pratos de ouro e as pedras que trouxera do subterrâneo e ficou rico, escondendo o dinheiro de sua mãe.

Histórias da Arábia - Trecho 2


No dia seguinte, começariam a montar a loja. Aladim não conseguiu fechar os olhos naquela noite. Cedo pela manhã, foi ao encontro de seu tio. Este levou-o sem dizer aonde iam. Saíram da cidade e atingiram o pé de uma montanha no limiar do deserto, um lugar habitado apenas pela presença de Alá. Este lugar era o alvo do feiticeiro. Era para chegar lá que ele tinha deixado o Marrocos e a China. Mas Aladim estava cansado e temeroso. "Onde estamos, meu tio? E aonde vamos?" queixou-se. O dervixe procurou tranquilizá-lo. Fê-lo sentar-se numa rocha a seu lado, colocou o braço afetuosamente em volta de seu pescoço e disse-lhe: "Descansa um pouco. Vou te mostrar coisas que nenhum olho humano já viu.

O dervixe dirigiu-se a ele de novo: "Levanta-te agora, Aladim, e apanha algumas raízes secas." Aladim cumpriu a ordem. O dervixe acendeu as raízes. Em seguida, tirou da bolsa uma caixa de tartaruga, abriu-a e extraiu dela uma pitada de incenso que lançou no fogo. Elevou-se então uma fumaça densa que o feiticeiro abanou de um lado para o outro com a mão, ao mesmo tempo que pronunciava fórmulas mágicas numa língua desconhecida. De repente, a montanha tremeu, os penedos deslocaram-se pela base, a terra se abriu. E no fundo do buraco apareceu uma placa de mármore horizontal, com um anel de bronze para segurá-la. Ao ver tudo isso, Aladim ficou apavorado, soltou um berro, virou as costas e fugiu. Mas num salto o mágico agarrou-o, fitando-o com olhos flamejantes de raiva. E segurando-o pela orelha deu-lhe uma bofetada tão violenta que Aladim caiu no chão.

- Dize-me o que queres que faça, e o farei, disse Aladim. - Primeiro, desce comigo no buraco, segura o anel e levanta a placa. Aladim obedeceu e ergueu a placa. Avistou então um subterrâneo com uma escada de doze degraus que descia até uma porta de cobre vermelho com dois batentes. O mouro disse-lhe: "Meu filho, desce até aquela porta. Ela se abrirá por si mesma para ti. Entra e atravessa os três pátios que se estenderão à tua frente. Nos dois primeiros, verás jarras cheias de ouro. Não as toques, pois, se o fizeres, serás transformado numa pedra preta. No terceiro pátio, encontrarás nova porta igual a esta. Ela também se abrirá para ti e te revelará um jardim magnífico cheio de árvores frutíferas. Lá também não pares. Continua a andar, e chegarás a uma escada de trinta degraus que te levará a um terraço. Lá verás sobre um pedestal de bronze uma pequena lâmpada de cobre. Apanha-a, esconde-a no peito, volta a mim pelo caminho da ida, entrega-me a lâmpada, e seremos ricos e gloriosos para sempre. Te darei esse anel. Coloca-o no teu dedo e ele te protegerá”.

Histórias da Arábia - Trecho 1


Conta-se, ó rei afortunado, que viveu outrora numa cidade da China um alfaiate pobre que tinha um filho chamado Aladim. Este filho revelou-se um maroto desde a mais tenra idade. Em vão procurou o pai dar-lhe alguma instrução ou ensinar-lhe o próprio ofício. Aladim só queria brincar na rua com seus camaradas. E seu pai acabou por morrer de desgosto.

Sua desgraçada mãe labutava dia e noite, fiando lã e algodão para sustentar-se e sustentá-lo. Certo dia, enquanto brincava numa praça com vagabundos de sua espécie, um dervixe, que era um mouro, parou e ficou acabou concentrando sua atenção em Aladim. Esse dervixe, que vinha dos confins do Marrocos, era um insigne feiticeiro. Enquanto olhava mais e mais atentamente para Aladim, dizia consigo mesmo: "Este é o jovem de que preciso. Este é o jovem que andei procurando e pelo qual deixei meu país e empreendi esta longa viagem."

Chamou de lado um dos outros rapazes e informou-se com ele sobre Aladim. Munido dessas informações, abordou Aladim com um sorriso e, levando-o a um lado, disse-lhe: "Meu menino, não és Aladim, filho do alfaiate?" - Sou Aladim, respondeu, mas meu pai morreu há muitos anos. A estas palavras, o dervixe tomou Aladim nos braços e começou a beijá-lo enquanto derramava abundantes lágrimas. “Por que choras, meu senhor?”, perguntou Aladim, surpreso. Conhecias meu pai?

- Meu filho, respondeu o mouro com voz trêmula, como conseguiria reter as lágrimas, sendo teu tio e havendo sido bruscamente informado do falecimento de meu irmão, teu pai? Querido sobrinho, deixei minha pátria e enfrentei os perigos de uma longa viagem só para vir abraçar meu irmão.

O homem tirou então dez dinares de ouro do cinto e deu-os a Aladim. Depois, perguntou-lhe onde a mãe morava. Aladim apontou-lhe a casinha da mãe. O mouro tirou outros dez dinares de ouro e deu-os a Aladim, dizendo: "Entrega-os à viúva de meu irmão, dize-lhe que estou ansioso por rever os lugares onde meu irmão viveu, e que a visitarei amanhã pela manhã." Aladim beijou a mão do homem e correu alegremente para casa. Ao chegar em casa, porém, sua mãe lhe disse que não tinha nenhum irmão.

No dia seguinte, o dervixe, ao visita-los, perguntou ao jovem: "Que profissão exerces, meu filho? Que trabalho desempenhas para ajudar a tua mãe a manter a casa?" Aladim baixou a cabeça de vergonha. O feiticeiro afirmou: "Se preferes o comércio, estou pronto a montar uma grande loja para ti no melhor ponto do mercado". Aladim sentiu se imensamente feliz e sorriu para ele como para dizer: "Certamente, aceito."

14.6.19

Fundamentalismo Religioso

Fundamentalismo religioso: reflexões necessárias
Cristiano das Neves Bodart

O termo fundamentalismo religioso vem sendo empregado, especialmente pela mídia televisiva, de forma pejorativa (geralmente limitado ao islã). Nesta mídia não vemos o termo associado a boas ações, pelo contrário, a ataques terroristas e outros atos de violência. Nós, cientistas sociais, não podemos colaborar para a solidificação de uma inverdade como esta, principalmente quando temos o monopólio da palavra: em sala de aula. Tratar de tal conceito sem ir à raiz de suas origens é correr o risco de reproduzir o que a grande mídia “criou”: um monstro que deve ser eliminado.

O termo fundamentalismo religioso foi criado por parte de um grupo religioso, os quais, no início de século XX, nos Estados Unidos, se reuniram para discutir e formular caminhos doutrinários de combate as influências dos movimentos modernistas (na teologia, o Modernismo é uma corrente heterogênea de pensamento que, basicamente, defende a evolução – e modificação ou transformação – do dogma e “uma reinterpretação da religião à luz do pensamento científico do século XIX”).

Fundamentalismo é um movimento que tem por objetiva voltar aos princípios fundamentais, ou vigentes na fundação do grupo religioso. É preservar as bases doutrinárias, é não permitir que os “modismos” entrem em suas religiões.

Ao contrário, os modernistas cristãos, por exemplo, defendiam (ainda defendem) que a Bíblia não possui inspiração divina e que a mesma não pode ser seguida em todas as situações, apenas em questões que coincida com os costumes atuais. Defendem que as celebrações devem se adequar aos gostos culturais atuais. Para os fundamentalistas isso seria levar o mundo e suas coisas mundanas para dentro da igreja.

Hoje, se fala muito em respeito. O que buscam os fundamentalistas? Respeito à suas bases religiosas, aos fundamentos de sua religião. Aqui está o motivo de muitos dos conflitos que envolvem grupos religiosos fundamentalistas, especialmente os grupos não ocidentais: a invasão de costumes, hábitos e valores ocidentais em tais grupos. [...]

A crítica não deve se voltar a prática fundamentalista, mas aos fundamentos que são realmente nocivos a sociedade/humanidade. O desafio maior é definir um parâmetro para tal juízo de valor. Estaria a modernidade (impregnada de concepções capitalistas, individualistas, egocêntricas e mercadológica) habilitada a julgar os fundamentos de grupos minoritários?

(texto adaptado a partir do original em https://cafecomsociologia.com/fundamentalismo-religioso/ acesso em 14-06-2019)

Somos Todos da Idade Média

Somos Todos da Idade Média

Hilário Franco Jr.

Pouca gente se dá conta, mas muitos hábitos, conceitos e objetos tão presentes no nosso dia-a-dia, inclusive o próprio idioma que falamos, vêm daquela época. (...)

Ao tratarmos da História do Brasil, por exemplo, a tendência é começar no dia 22 de abril de 1500, quando Pedro Álvares Cabral e os tripulantes de sua esquadra “descobriram” nossa terra. Mas aqueles homens não traziam atrás de si, dentro de si, toda uma história? Não trouxeram para cá amplo conjunto de instituições, comportamentos e sentimentos? Aquilo que é até hoje o Brasil não tem boa parte da sua identidade definida pela longa história anterior de seus “descobridores”? Dizendo de outro modo, nossas raízes são medievais, percebamos ou não este fato.

Pensemos num dia comum de uma pessoa comum. Tudo começa com algumas invenções medievais: ela põe sua roupa de baixo (que os romanos conheciam, mas não usavam), veste calças compridas (antes, gregos e romanos usavam túnica, peça inteiriça, longa, que cobria todo o corpo), passa um cinto fechado com fivela (antes ele era amarrado). A seguir, põe uma camisa e faz um gesto simples, automático, tocando pequenos objetos que também relembram a Idade Média, quando foram inventados, por volta de 1204: os botões. Então ela põe os óculos (criados em torno de 1285, provavelmente na Itália) e vai verificar sua aparência num espelho de vidro (concepção do século XIII). Por fim, antes de sair olha para fora através da janela de vidro (outra invenção medieval, de fins do século XIV) para ver como está o tempo.

Ao chegar na escola ou no trabalho, ela consulta um calendário e verifica quando será, digamos, a Páscoa este ano: 23 de março de 2008. Assim fazendo, ela pratica sem perceber alguns ensinamentos medievais. Foi um monge do século VI que estabeleceu o sistema de contar os anos a partir do nascimento de Cristo. Essa data (25 de dezembro) e o dia de Páscoa (variável) também foram estabelecidos pelos homens da Idade Média. Mais ainda, ao escrever aquela data – 23/3/2008 –, usamos os chamados algarismos arábicos, inventados na Índia e levados pelos árabes para a Europa, onde foram aperfeiçoados e difundidos desde o começo do século XIII. O uso desses algarismos permitiu progressos tanto nos cálculos cotidianos quanto na matemática, por serem bem mais flexíveis que os algarismos romanos anteriormente utilizados. Por exemplo, podemos escrever aquela data com apenas sete sinais, mas seria necessário o dobro em algarismos romanos (XXIII/III/MMVIII).

Para começar a trabalhar, a pessoa possivelmente abrirá um livro para procurar alguma informação, e assim homenageará de novo a Idade Média, época em que surgiu a ideia de substituir o incômodo rolo no qual os romanos escreviam. Com este, quando se queria localizar certa passagem do texto, era preciso desenrolar metros de folhas coladas umas nas outras. Além disso, o rolo desperdiçava material e espaço, pois nele se escrevia apenas de um lado das folhas. O formato bem mais interessante do livro ficou ainda melhor com a invenção da imprensa, em meados do século XV, que permitiu multiplicar os exemplares e assim barateá-los. Tendo encontrado o que queria, a pessoa talvez pegue uma folha em branco para anotar e, outra vez, faz isso graças aos medievais. Deles recebemos o papel, inventado anteriormente na China, mas popularizado na Europa a partir do século XII. Mesmo ao passar suas ideias para o computador, a pessoa não abandona a herança medieval. O formato das letras que ali aparecem, assim como em jornais, revistas, livros e na nossa caligrafia, foi criado por monges da época de Carlos Magno.

Sentindo fome, a pessoa levanta os olhos e consulta o relógio na parede da sala, imitando gesto inaugurado pelos medievais. Foram eles que criaram, em fins do século XIII, um mecanismo para medir o passar do tempo, independentemente da época do ano e das condições climáticas. Sendo hora do almoço, a pessoa vai para casa ou para o restaurante e senta-se à mesa. Eis aí outra novidade medieval! Na Antiguidade, as pessoas comiam recostadas numa espécie de sofá, apoiadas sobre o antebraço. Da mesma forma que os medievais, pegamos os alimentos com colher (criada aproximadamente em 1285) e garfo (século XI, de uso difundido no XIV). Terminada a refeição, a pessoa passa no banco, que, como atividade laica, nasceu na Idade Média. Depois, para autenticar documentos, dirige-se ao cartório, instituição que desde a Alta Idade Média preservava a memória de certos atos jurídicos (“escritura”), fato importante numa época em que pouca gente sabia escrever.

À noite, enfim, a pessoa vai à universidade, instituição que em pleno século XXI ainda guarda as características básicas do século XII, quando surgiu. As aulas, com frequência, são dadas a partir de um texto que é explicado pelo professor e depois debatido pelos alunos. Alguns deles recebem um auxílio financeiro para poderem estudar, como no colégio fundado pelo cônego Roberto de Sorbon (1201-1274) e que se tornaria o centro da Universidade de Paris. Depois de mais um dia de trabalho e estudo, algumas pessoas querem relaxar um pouco e passam na casa de amigos para jogar cartas, divertimento criado em fins do século XIV, como lembram os desenhos dos naipes e a existência de reis, rainhas e valetes. Outros preferem manter a mente bem ativa e vão praticar xadrez, jogo muito apreciado pela nobreza feudal, daí a presença de peças como os bispos, as torres e as rainhas.

Durante todas essas atividades, pensamos, falamos, lemos e escrevemos em português, sem, na maioria das vezes, nos darmos conta de que esse elemento central do patrimônio cultural brasileiro vem da Idade Média. E não só porque a nossa língua nasceu em Portugal medieval. Como qualquer língua, com o passar do tempo o português falado na sua terra de origem foi se alterando bastante. Muitas características do idioma falado hoje em dia em Portugal – inclusive o que chamamos de sotaque daquele povo – são do século XIX. Mas no Brasil aquele idioma foi introduzido no século XVI por colonos que falavam da mesma forma que cem ou duzentos anos antes, isto é, como em Portugal medieval. Além disso, sendo o Brasil muito vasto e muito distante da metrópole portuguesa, as lentas transformações na língua demoravam mais para chegar aqui. Em resumo, falamos hoje um português mais parecido com o da Idade Média do que com o de Portugal moderno.

Estudos recentes mostraram que idosos analfabetos do interior de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e São Paulo usavam, em fins do século XX, formas do português dos séculos XIII-XVI. Essas pessoas ainda falam esmolna em vez de “esmola”, pessuir e não “possuir”, despois no lugar de “depois”, preguntar para dizer “perguntar”. Contudo, não se trata propriamente de erros, e sim de exemplos de manutenção de formas antigas, levadas àqueles locais pelos bandeirantes nos séculos XVI e XVII. Devido ao isolamento e à pobreza daquelas regiões, esse modo de falar prolongou-se pelos séculos seguintes.

Basta uma rápida olhada em qualquer aglomerado humano no Brasil, seja no metrô, num estádio de futebol ou simplesmente nas ruas, para se constatar o que todos sabemos: a população brasileira tem alto grau de mestiçagem. Nada estranho, já que a terra era habitada por diferentes tribos indígenas quando os portugueses aqui chegaram, e logo foram introduzidos muitos escravos africanos. O que se ignora com frequência, porém, é que se os dominadores portugueses aceitaram com facilidade a mestiçagem, é porque ela fazia parte da sua prática social havia muito tempo. Eles resultavam da mistura entre celtas, romanos, germanos, berberes (população do norte africano), árabes, judeus e negros. Importantes historiadores já afirmaram que, pelo menos até o século XIV, os mouros não devem ser considerados uma etnia, e sim uma minoria religiosa, porque, em termos raciais, não havia diferença entre portugueses cristãos e portugueses muçulmanos. Portanto, os portugueses já eram mestiços ao chegarem à América, o que facilitou a mistura racial na colônia.

(FRANCO JR., Hilário. Somos todos da Idade Média. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v.3, n.30, p.58-61, março de 2008)

Discutindo o artigo:

1. No primeiro parágrafo do artigo, o autor cita várias invenções medievais de que fazemos uso em nosso cotidiano. Cite pelo menos três dessas invenções (observação: as três devem estar em parágrafos diferentes).

2. O que o texto afirma sobre o uso do calendário atual? Quem o inventou?

3. Como as pessoas se alimentavam na Idade Média? Compare com a forma como nos alimentamos ainda hoje.

4. Por que você acha que o autor do artigo mostrou vários hábitos e objetos que surgiram na Idade Média e permanecem até hoje?

5. O povo brasileiro é resultado de uma mestiçagem indígena, negra e branca. Os portugueses deram importante contribuição cultural para o nosso país. Mesmo assim, sabemos que eles também são frutos de mestiçagem. Comente com base no texto.

3.6.19

A Coroação de Carlos Magno

Texto 1 
Assim o evento foi registrado pelos clérigos romanos: "Naquele dia santíssimo da Natividade do Senhor, quando o rei se se ergueu depois de orar na missa em frente ao túmulo do bem-aventurado Pedro apóstolo, o papa Leão colocou-lhe uma coroa na cabeça e todo o povo dos romanos e o aclamou: "Vida e vitória para Carlos Augusto, coroado por Deus grande e pacífico imperador dos romanos! E depois desse louvor foi adorado pelo apostólico à maneira dos príncipes e, posta de parte a denominação de patrício, foi chamado imperador e augusto". 
(Annales Laurissenses) 

Texto 2 A visão do historiador franco Eginhardo, principal biógrafo do imperador, foi diferente: "[Carlos Magno] foi a Roma a fim de restaurar a ordem nos negócios muito perturbados da Igreja e aí permaneceu durante todo o inverno. Nessa altura, recebeu os títulos de imperador e augusto. Mas a princípio desagradou-lhe tanto este ato que declarou que se acaso tivesse podido conhecer com antecedência a intenção do pontífice, não teria entrado na Igreja naquele dia, embora fosse um dia muito festivo" 
(Eginhardo) 

Questões 
1. Sintetize, pelas leituras, a visão dos clérigos e a do biógrafo do imperador sobre a coroação de Carlos Magno. 
2. Identifique a data festiva da Coroação de Carlos Magno. Por que, na sua opinião, o evento ocorreu nesta data?