Gertrudes Maria - Paraíba - Século XIX
Gertrudes
ao que tudo indica nasceu na Paraíba e conquistou sua liberdade por meio de
alforria paga junto ao casal Carlos José da Costa e Maria Antônia de Melo.
Apesar do pagamento, Gertrudes vivia numa liberdade condicional: deveria
acompanhar seus donos até à morte. Esse pode ter sido o paradoxo de muitos
escravizados que sonhavam com a alforria - tinham que amealhar recursos,
economias próprias, serviços extras prestados ou esmolas arrecadadas -, ganhar
a confiança de seus senhores, pagar pela alforria (sua e/ou de seus filhos) e
no entanto sob a condição de que permaneceriam leais aos mesmos até o fim de
seus dias. Dessa maneira, enquanto os senhores precisavam estar vivos e lúcidos
o suficiente para, entre dádivas e a necessária submissão, garantir a liberdade
condicional de antigos e fiéis cativos, os escravizados desejavam que seus
proprietários morressem logo para que pudessem usufruir da liberdade. Não foram
poucos os casos de cativos acusados de tentar envenenar senhores e inúmeros
foram os episódios de herdeiros que, após a morte de seus antepassados,
desrespeitaram os acordos. E essa parece ter sido a falta de sorte de
Gertrudes. Os herdeiros, uma vez endividados, resolveram vendê-la para pagar os
credores.
Entre
1828 e 1842 vamos encontrar Gertrudes nos tribunais via processos, petições,
alvarás e procurações. Ela tentava provar sua liberdade condicional, o valor
inicialmente depositado e a ilegalidade de estar sendo vendida em hasta
pública. Descobrimos assim que Gertrudes Maria era solteira, trabalhava como
quitandeira, e com 30 anos, por volta de 1826, tinha comprado parte de sua
liberdade. Segundo os registros de sua carta de alforria, ela havia oferecido
50% de seu valor e prometeu o restante com trabalho até a morte de seus
senhores.
No
registro dessa sua liberdade condicional mencionava-se que seus senhores só
tinham aceitado esse tipo de pagamento por causa dos “bons serviços” que até
então Gertrudes prestara. Não era, porém, apenas um formalismo jurídico: tal
espécie de concessão ficou registrado no documento oficial e inscrito
socialmente, num ritual que reforçava gratidão, submissão, dádiva, dependência
e paternalismo. Mas para que não restassem dúvidas, foi explicitado em tom de
ameaça jurídica: “sendo que essa dita escrava falte à condição que lhe pomos de
nos acompanhar como já dissemos a tornaremos cativa”. No entanto, nesse caso a
quebra contratual foi a senhorial.
A
disputa judicial tomaria tempo. O apoio de advogados e de testemunhas chamadas
para depor atesta o esforço de Gertrudes em fazer valer sua liberdade,
especialmente provando o depósito de 50% de seu valor e os acordos lavrados no
registro da alforria.
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