1.8.24

Imperialismo

 



Carta de L´Afrique, Adrian Brué, 1820.


Joseph Conrad, escritor britânico, escreveu sua principal obra em 1899. "No Coração das Trevas" denunciava as atrocidades da colonização belga no Congo. A obra é inspirada em sua viagem ao Congo, como empregado de uma companhia de comércio belga. A seguir, é apresentado um trecho desta obra que aborda a questão do que os europeus conheciam sobre o continente africano.


“É verdade que àquela altura não era mais um espaço vazio. Tinha sido preenchido desde minha infância com rios, lagos e nomes. Havia deixado de ser um espaço em branco de delicioso mistério, uma mancha branca para um menino sonhar gloriosamente. Tinha se transformado num lugar tomado pelas trevas”.

CONRAD, Joseph. No coração das trevas. SP: Cia. das Letras, 2019, p.22. 


28.7.24

Imperialismo

O colonialismo exigia o máximo de coerção, tanto para recrutar a mão de obra local como para mantê-la nos locais de produção. Nos primeiros tempos da conquista europeia, por vezes o próprio capital privado encarregou-se da coerção e de fazer reinar a ordem, por meio das companhias coloniais dotadas de privilégios, cartas e concessões.


A obrigatoriedade do imposto per capita, a ser pago em dinheiro, fazia os africanos terem que, ou buscar trabalho remunerado, ou produzir culturas destinadas ao comércio. O não pagamento dos impostos trazia como punição a prestação de serviços públicos de forma forçada. Os salários eram mantidos em um nível extremamente baixo. Em geral, eram trabalhados por empreitadas ou por períodos sazonais. Em alguns lugares, a ausência de moedas fez com que esse imposto fosse pago em trabalho, nas minas, nas florestas e nas ferrovias.

A ação combinada de capital europeu e mão de obra africana trabalhando sob coação produziu consideráveis excedentes de produtos para o consumo europeu. Gêneros agrícolas e minerais foram exportados e os lucros enviados para a Europa.

A mão de obra era arranjada a expensas das economias aldeãs ou locais, outrora autônomas. Assim, desorganizou-se a economia agrícola tradicional, impondo um ritmo muito mais acelerado de trabalho, causando escassez de alimentos, fome e mortes. O caso mais assustador foi o do Congo Belga, atual República Democrática do Congo. Calcula-se uma população em 1885 de 25 milhões de habitantes. Em 1925, essa população era de 10 milhões.



Texto baseado no capítulo de: RODNEY, Walter. A economia colonial. In: UNESCO. História Geral da África. V. 7. São Paulo: Ática, 1991. (coordenador do volume: Albert Adu Boahen)

17.7.24

Imperialismo

Podemos elencar quatro justificativas ideológicas para o Imperialismo:

c) Racistas: existiam diferenças naturais entre as raças; era lógico que a superior (branca) dominasse a inferior (negra).

 

d) Social-darwinista: princípio da sobrevivência das espécies; dominação dos mais fracos (negros) pelos mais fortes (brancos) como uma lei da natureza; eliminação das sociedades mais fracas.

Imperialismo

Podemos elencar quatro justificativas ideológicas para o Imperialismo:

a) Filantropia: dominação para levar a civilização e eliminar os costumes bárbaros

 

O fardo do homem branco

b) Pragmático-utilitarista: dominação traria benefícios para a metrópole e para as populações sujeitas; necessidade de abertura de mercados e de conquista de fontes de matérias-primas;


“Assisti ontem a uma reunião de desempregados em Londres, e, depois de ter ouvido os discursos virulentos, que não eram nem mais nem menos do que um grito pedindo pão, voltei para casa, mais do que nunca convencido da importância do imperialismo [...] o que me preocupa, acima de tudo, é a solução do problema social. Quero dizer com isto que, se desejam salvar os 40 milhões de habitantes do Reino Unido de uma criminosa guerra civil, os responsáveis pela política colonial devem abrir novos territórios ao excedente da população e criar novos mercados para os produtos das minas e das fábricas. Sempre disse que o Império Britânico era uma questão de pão com manteiga. Se queremos evitar a guerra civil temos de ser imperialistas”. (Cecil Rhodes)

O fardo do homem branco

O poema “O fardo do Homem Branco” (The white man’s burden), do poeta britânico Rudyard Kipling, de 1899, é considerado um símbolo do imperialismo europeu do final do século XIX e mostra a visão que se tinha sobre o papel dos europeus e sobre os povos africanos. Leia alguns trechos do poema:

 

Tomai o fardo do Homem Branco

Envia teus melhores filhos

Vão, condenem teus filhos ao exílio

Para atender as necessidades de seus cativos;

Para servir, com pesados chicotes

O povo agitador e selvagem

Seus novos-cativos, povos agressivos,

Metade demônio, metade criança.

[...]  

Tomai o fardo do Homem Branco

As guerras selvagens pela paz –

Encha a boca dos famintos,

E proclama o fim das doenças

E quando seu objetivo estiver próximo

(O fim que todos procuram)

Olha a indolência e loucura pagã

Destruindo todas suas esperanças [...]


Imperialismo

A resistência ao invasor europeu se deu de duas formas:

 

Sei que os brancos querem me matar para tomar o meu país, e, ainda assim, você insiste em que eles me ajudarão a organizá-lo. Por mim, acho que meu país está muito bem como está. Não preciso deles. Sei o que falta e o que desejo: tenho meus próprios mercadores; considere-se feliz por não mandar cortar-lhe a cabeça. Parta agora mesmo e, principalmente, não volte nunca mais.

Declaração de Wogobo, o Moro Naba (rei dos Mossi) ao capitão Destenave, em 1895


Tal como em tempos anteriores, os soberanos puseram exércitos em campo para combater os invasores, que por acaso eram europeus e manter a paz por meios diplomáticos e comerciais. A isto chamou-se “resistência primária”. Foi bastante corrente em todas as regiões do continente ameaçado. A resistência primária era uma reação direta, face a face com os invasores.


Os inimigos vêm agora se apoderar de nosso país e mudar nossa religião [...] Nossos inimigos começaram a avançar abrindo caminho na terra como toupeiras. Com a ajuda de Deus, não lhes entregarei meu país [...] Hoje, que os fortes me emprestem sua força e os fracos me ajudem com suas orações

Menelik da Etiópia, ordem de mobilização contra a campanha dos italianos contra seu país em 1895.

 

Depois, podemos elencar formas de resistência secundária. Em alguns Estados, houve movimentos de preservação das tradições e de restauração do passado, como foram os casos da Etiópia e dos maji maji, no Quênia.

 

“Estou vendo como os brancos penetram cada vez mais na África; em todas as partes do meu país as companhias estão em ação (...) É preciso que meu país também adote estas reformas, e estou plenamente disposto a propiciá-las (...) Também gostaria de ver boas estradas e boas ferrovias (...). Mas meus antepassados eram makombe e makombe quero continuar a ser”

Makombe Hanga, chefe dos Barué (Moçambique central), em 1895.


Outra forma de resistência secundária foi que, alguns dos soberanos, percebendo a força dos europeus, decidem que, para resistir, era necessário adotar muito do que o invasor trazia. Podemos qualifica-los como movimentos de tendência ocidentalizante.

Imperialismo

 

Colônia propriamente dita – Nas colônias propriamente ditas, que também se podem classificar de colônias de administração direta, a soberania da Metrópole encontra-se estabelecida dum modo direto e sem restrições algumas. Estas colônias foram, em regra, anexadas por meio de conquistas e fez-se nelas um estabelecimento completo de administração, com todas as consequências de direito e de fato da soberania do país ocupante. Nestas colônias, as autoridades locais são privadas de todas as suas atribuições. [...]

Protetorados – até os tempos modernos, o protetorado era uma combinação política em que um Estado fraco se colocava sob a defesa de um Estado mais poderoso, dando-lhe em compensação certas vantagens, contudo, sem se privar do seu governo. [...] Tem, porém, elementos constitutivos essenciais. Esses elementos são os seguintes:

a) Continuação do funcionamento das autoridades indígenas [locais] e conservação das instituições e dos costumes locais.

b) O Estado protetor fica encarregado das relações internacionais referentes ao Estado protegido.

c) Existência de um residente político representante do Estado protetor, junto ao Estado protegido;

d) O Estado protetor defende e garante o Estado protegido relativamente às nações estrangeiras.

 

MELLO, Martinho Nobre de. Administração Colonial. Lisboa: Tipografia Universal, 1917, p.34-38.

Imperialismo


Os representantes europeus reunidos em Berlim definiram as regras de legitimação para as futuras anexações nas costas do continente africano. A partir daquele momento, para que novas possessões ou protetorados fossem considerados efetivos, seria necessário o envio de notificação aos demais países signatários da ata, para viabilizar possíveis reivindicações.


Ponto que vale ser destacado sobre as futuras anexações é a delimitação espacial feita pelos representantes europeus. O artigo da ata referente a elas trata apenas das regiões costeiras do continente africano. Isso indica que as deliberações sobre futuras ocupações não teriam validade para todo o continente, deixando de fora as regiões do interior. Esse fato não só refuta as interpretações que atribuem à Conferência de Berlim o papel de partilhar o continente africano, mas também põe em perspectiva as análises segundo as quais esse encontro teria criado as bases para sua futura divisão, pois os critérios de tomada de posse definidos em Berlim não valeriam para todo o continente.

Retirado de: https://cienciahoje.org.br/artigo/conferencia-de-berlim-e-o-mito-da-partilha-da-africa/ Acesso em 16-07-2024.




Imperialismo

O fator que definitivamente fez pender o equilíbrio de forças na África, nos anos 1870, foi a qualidade e a quantidade das armas de fogo. Quem controlasse as armas e as munições, tinha vantagem.

A situação em relação ao continente tenderia a permanecer incerta até que os europeus buscassem separadamente satisfazer os seus interesses nacionais, e os chefes de Estado africanos pudessem jogar as potências umas contra as outras. Portanto, era essencial submeter a partilha da África a certas regras baseadas em acordos internacionais e, muito especialmente, limitar o fornecimento de armas e munições aos africanos.

Assim, o primeiro-ministro alemão, Otto von Bismarck, aproveitando-se das rivalidades intra-europeias, sobretudo entre britânicos e franceses, e buscando aumentar a presença alemã no continente, convocou uma Conferência Internacional em Berlim, no final de 1884 e início de 1885.

Alemanha e França, de forma conjunta, decidiram quais seriam os três objetivos dos debates na Conferência: que iriam nortear os debates em Berlim: a liberdade de comércio na bacia e no estuário do rio Congo; a liberdade de navegação nos rios Congo e Níger; e as formalidades que deveriam ser cumpridas para que novas ocupações na costa da África fossem consideradas efetivas.


Baseado em: SILVÉRIO, Válter Roberto. Síntese da Coleção História Geral da África. V.2. Brasília: MEC/Unesco/UFSCar, 2013, p.336-337.

21.4.24

Guerra dos Farrapos

 

A Carta de Porongos é uma correspondência que teria sido enviada pelo então Barão de Caxias a Chico Pedro (Francisco Pedro de Abreu, o Moringue), e que conteria evidências de um acordo prévio entre o Barão de Caxias (comandante do Exército imperial no conflito) e o líder farroupilha David Canabarro. O objetivo seria favorecer a vitória imperial no combate do Cerro de Porongos, eliminando o corpo de Lanceiros Negros. Em determinado trecho, Caxias informaria a Chico Pedro o local, o dia e o horário para o ataque, garantindo-lhe que a infantaria farroupilha estaria desarmada pelos seus líderes.

 

Cópia. Reservadíssimo.

llmo Sr.

Regule V. Sa. suas marchas de maneira que no dia 14 às 2 horas da madrugada possa atacar a força ao mando de Canabarro, que estará nesse dia no cerro dos Porongos. Não se descuide de mandar bombear o lugar do acampamento de dia, devendo ficar bem certo de que ele há de passar a noite nesse mesmo acampamento. Suas marchas devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o lado oposto. No conflito poupe o sangue brasileiro quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe o que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. [...] Não receie da infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um Ministro e do seu General-em-chefe para entregar o cartuchame sobre [sic] pretexto de desconfiança dela. Se Canabarro ou Lucas, que são os únicos que sabem de tudo, forem prisioneiros, deve dar-lhes escapula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos, pois V.Sa. bem deve conhecer a gravidade deste secreto negócio que nos levará em poucos dias ao fim da revolta desta Província. [...]

Se por fatalidade não puder alcançar o lugar que lhe indico no dia 14, às horas marcadas, deverá diferir o ataque para o dia 15, às mesmas horas, ficando bem certo de que nesse caso o acampamento estará mudado um quarto de légua mais ou menos por essas imediações em que estiverem no dia 14. [...] Além de tudo quando lhe digo nesta ocasião, já V.Sa. deverá estar bem ao fato das coisas pelo meu ofício dia 28 de outubro e por isso julgo que o bote será aproveitado desta vez. Todo o segredo é indispensável nesta ocasião e eu confio no seu zelo e discernimento que não abusará deste importante segredo. Deus vos guarde a V.Sa.

Quartel-general da presidência e do comando-em-chefe do Exército em marcha nas imediações de Bagé, 9 de novembro de 1844.

Barão de Caxias.

 

Fonte: Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, volume 7, Porto Alegre: AHRGS,1983, Coleção Alfredo Varela, documento CV3730 pp. 30-31.

 

Glossário:

Cartuchame = munições de armas.

Escapula = fuga

Onça = unidade de medida antiga equivalente a cerca de 20 g.

Guerra dos Farrapos

 

A Revolução Farroupilha (1835-1845), revolta de caráter republicano contra o governo imperial do Brasil, centralizador e escravocrata, é marcada por controvérsias; tanto à época, entre os líderes farrapos, quanto agora, entre historiadores. Uma das questões menos estudadas e conhecidas da Revolução Farroupilha, que ainda hoje se constitui em um tabu na historiografia do Rio Grande do Sul, é a enorme contribuição dos negros nessa luta e o destacado papel que nela tiveram os célebres Lanceiros Negros, grupamento militar formado por escravos que lutavam em troca da liberdade.

Apesar de os revoltosos compartilharem um mesmo ideal principal - um modelo de Estado com maior autonomia às províncias - os líderes divergiam em vários pontos. Entre os mais polêmicos estava a sua posição frente à escravidão. A resposta à pergunta “os farrapos eram ou não abolicionistas?” não pode ser respondida com um simples “sim” ou “não”. Ainda que boa parte de seus líderes fosse favorável à abolição da escravidão, as premências da guerra não permitiram a sua aprovação. As lideranças farroupilhas tiveram posições conflitantes frente à questão servil. De um lado, a chamada “maioria” – formada por Bento Gonçalves, Domingos José de Almeida, Mariano de Mattos, Antônio Souza Neto e outros – assumiu uma postura claramente abolicionista. De outro, a “minoria” – Vicente da Fontoura, David Canabarro e outros chefes farrapos – aceitou a libertação dos escravos que se engajassem na luta contra o império, mas opôs-se tenazmente a qualquer tentativa de libertação geral dos escravos. A resultante dessa contradição foi a não inclusão no projeto de Constituição da República Rio-Grandense da liberdade para os escravos e a Batalha de Porongos, em 14 de novembro de 1844, quando os Lanceiros Negros foram massacrados em um episódio muito controvertido, envolvendo suspeitas de traição e cartas cuja autenticidade ainda é questionada, que mudaria os rumos da revolução.

JUSTINO, Guilherme. Os escravos que lutaram em troca da liberdade. Jornal da UFRGS, abril de 2008. Disponível em: https://www.ufrgs.br/ensinodareportagem/cidades/lanceirosnegros.html Acesso em 21-04-2024

Adendo 1: Bento Gonçalves jamais libertou os seus escravizados; em seu testamento, feito após a guerra, transferia seus escravizados a seus herdeiros, não os libertando.

Adendo 2: Escravizados dos imperiais ou eram colocados nas tropas farroupilhas ou eram destinados ao Tesouro da República, para serem alugados.

Guerra dos Farrapos


Conforme Tristão de Alencar Araripe, podemos elencar três fases na guerra:

1) de 20 de setembro de 1835 (conquista de Porto Alegre) a 11 de setembro de 1836 (proclamação da República) – predomínio dos liberais monarquistas, que pretendiam a descentralização administrativa provincial, com soberania da Assembleia Legislativa, procurando evitar a ditadura do Executivo. Não eram totalmente separatistas. 

A atitude dúbia do regente Feijó, abandonando os farroupilhas rio-grandenses, permitiu que o grupo republicano se utilizando da palavra mágica federação modificasse os objetivos revolucionários.

2) rebelião, de 1836 (proclamação da República) a 1840 – separar o RS da comunhão brasileira, constituindo uma república independente e soberana, pois esta forma de governo se coadunava com pequenas nações. Em 1839, ocorre a proclamação da República Juliana, em Laguna, liderada por Giuseppe Garibaldi, comandante da Marinha Rio-Grandense. Este fato leva a uma reação mais violenta do Império do Brasil, que coloca a República em fase defensiva.

Um ponto significativo que influenciou na aventura de Garibaldi em Santa Catarina foi a ausência de saída para o mar por parte dos farroupilhas. Rio Grande jamais foi conquistada pelos farroupilhas, e o apoio à causa farroupilha era pequeno, tendo em vista os laços comerciais que uniam à cidade ao Rio de Janeiro; Porto Alegre somente foi conquistada no início da guerra; retomada em 1836, jamais foi reconquistada pelos rebeldes, mesmo sofrendo dois pesados cercos pelo lago Guaíba. Ou seja, os dois principais portos da província não estavam nas mãos da República, o que os obrigou a buscar uma saída para o mar por Santa Catarina. O controle da República Rio-Grandense foi forte na região do pampa (metade sul da província); lembrando que o norte da província ainda era território indígena.

3) negociações de paz com o Império do Brasil e retorno à comunhão brasileira – de 1840 a 1845 - já desde 1837, por parte de John Greenfell, comandante da esquadra naval imperial de firmar um armistício com os rebeldes. Mas esta fase deve ser situada a partir do fim da aventura em SC, em 1840. Fase concluída com o Tratado de Ponche Verde, em 1º de março de 1845.

Baseado em: FLORES, Moacyr. Modelo político dos farrapos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1978, p.117-133.

Guerra dos Farrapos

 

Uma série de questões antecederam a Guerra dos Farrapos. Boa parte delas foi detonada pela independência do Uruguai, após a Guerra da Cisplatina (1825-1828).

Com o acordo para a independência uruguaia, foram estabelecidos impostos baixos para a importação do charque uruguaio para o Brasil. No entanto, estes impostos eram menores que os pagos internamente pelos charqueadores do Rio Grande do Sul. Os estancieiros e charqueadores buscavam a reversão disso.

Outro ponto em que a independência do Uruguai afetou a elite sul-rio-grandense foi na questão dos tributos. Os estancieiros gaúchos tinham terras dos dois lados da fronteira. Engordavam o gado do outro lado, que tinha melhores pastagens, e o vendiam aqui. Agora, para passar pela fronteira, precisavam pagar imposto, o que os enfureceu.

Os impostos pagos pela província não voltavam para suas necessidades da província. As dívidas  de guerra referentes à Guerra da Cisplatina (1825-1828) estavam sendo cobrados da província.

A falta de representação e de atendimento das demandas por parte do governo central, somado ao clima político efervescente na província, dominada pelos farroupilhas, contribuiu para o levante militar, que desembocou, posteriormente, na proclamação da República.

Guerra dos Farrapos

 

“Os líderes [liberais] exaltados [...] acenavam contra a opressão econômica, social e étnica. Valorizavam também o federalismo e a descentralização administrativa, englobando assim algumas oligarquias regionais. [...] Apresentaram boa dose de divergência entre os seus integrantes [..] Os exaltados, por fim, nem sempre assumiam essa denominação, sendo também chamados por outros apelidos, como jurujubas e farroupilhas”.

MOREL, Marco. O período das regências. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p.34.


A demora de quase um ano entre o início da guerra, em 20 de setembro de 1835, e a proclamação da República, em 11 de setembro de 1836, após a Batalha do Seival, levam a questionamentos sobre o caráter separatista dos farroupilhas. 

A maioria dos historiadores discutiram os aspectos políticos da Guerra, em especial se se desejava ou não a separação da província desde o início. Destacam-se as interpretações de Alfredo Varela, com as pesquisas mais sólidas e mais completas. Ele defendia o caráter separatista desde o começo do conflito. [...] Quase todos os historiadores brasileiros se opõem a essa interpretação.

LEITMAN, Spencer. Raízes socioeconômicas da Guerra dos Farrapos. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p.9-10.


"Os primeiros textos pós-20 de setembro traziam, significativamente, saudações finais ao “jovem monarca constitucional” [Dom Pedro II, ainda menor de idade] e à “constituição reformada” [Ato Adicional de 1834], em nome da liberdade e dos rio-grandenses livres, queixando-se do “partido português” e das mudanças nos comandos propostas por Braga [Fernandes Braga, presidente da província deposto em 20 de setembro].

 

GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. O Rio Grande de São Pedro na primeira metade do século XIX: Estados-nações e regiões províncias no Rio da Prata. In: GRIJÓ, KUHN, GUAZELLI, NEUMANN (Org.). Capítulos de História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 105.


“Se os revolucionários vitoriosos estivessem comprometidos com o plano do caudilho uruguaio Juan Antonio Lavalleja teriam proclamado imediatamente uma república federada ao Uruguai, Corrientes e Entre Rios, de acordo com o plano do caudilho uruguaio; no entanto permaneceram à espera da nomeação de um novo presidente pelo governo central.”.

“Os farroupilhas tentaram a federação brasileira, pois seu movimento revolucionário inicia quando já estava eleito o farroupilha padre Diogo Antônio Feijó, no cargo de regente”. O regente Feijó abandonou o programa farroupilha e as demais províncias não se manifestaram. Só havia duas soluções: depunham as armas ou continuavam lutando. A ideia de descentralização evoluiu para uma maior independência local, originando a separação da província.

“A ideia de federação estava ligada à de república, não havendo apoio das demais províncias brasileiras; os revolucionários rio-grandenses, que conheciam a federação empiricamente, extrapolaram este conceito para independência, surgindo no Rio Grande do Sul um Estado independente e soberano”.

"A ideia de federação não era em relação ao Brasil, mas sim que as províncias brasileiras adotassem a forma de governo republicana e se unissem à República Rio-Grandense. A República Juliana [Santa Catarina, 1839], por exemplo, não fazia parte do território nem do governo do Rio Grande do Sul, deveria formar também um Estado Independente. Federação não significava um grupo de províncias autônomas unidas sob um poder central, mas um grupo de Estados independentes, atendendo suas aspirações regionais"

“É certo de que Bento Gonçalves da Silva, o presidente da República, não era republicano, pois em janeiro de 1836 escrevia a Domingos José de Almeida a respeito do movimento republicano em Porto Alegre: ‘escreve a nossos inimigos que se existe esse sonhado partido republicano, que nos mostrem que nós seremos os primeiros a debelá-lo”. (carta de 16 de janeiro de 1836)

FLORES, Moacyr. Modelo político dos farrapos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1978, p.80; 113;120; 126; 137

Guerra dos Farrapos

 

 “Os chefes republicanos dos Farrapos, saídos da classe de estancieiros da fronteira, queriam reforçar as instituições da tradicional sociedade rio-grandense. Seu republicanismo não pode ser confundido com radicalismo. A autonomia só seria aplicada à elite existente, como ficou evidenciado na Constituição que propuseram. Os efeitos de algumas reformas mais liberais que tinham sido propostas e estavam sendo votadas no Rio de Janeiro em 1830, os amedrontavam. Os chefes Farrapos não eram revolucionários sociais empenhados em reestruturar as relações de classe. Na melhor das hipóteses, eram o produto do tempo, incapazes de ultrapassar as atitudes sociais tradicionais. Qualquer colapso nas relações tradicionais entre senhor e escravo, estancieiro e gaúcho, poderia desorganizar o sistema político e social vigente”.

 

LEITMAN, Spencer. Raízes socioeconômicas da Guerra dos Farrapos. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p.23.


"Os farroupilhas buscaram o apoio do povo, mas não lhe deram o direito de escolher seus representantes porque não reconheciam nos homens comuns condições de selecionar seus representantes, só a classe ilustrada tinha a felicidade de eleger bons administradores.

A República Rio-Grandense manteve-se dentro deste espírito liberal, considerando que a soberania residia no povo, mas o cidadão, isto é, todo o homem livre nascido no território da república, não podia exercer as atribuições da soberania imediatamente por si mesmo, mas sim por meio do voto, pelo modo que a lei determinava. Ficavam sem gozos de direitos políticos os menores de 21 anos, os filhos que viviam com o pai, os criados de servir, os religiosos de comunidade claustral, os soldados, anspeçadas e cabos, os analfabetos, os de renda anual inferior a cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego. [...]

Portanto, a maior regalia do cidadão era o direito de voto e a classe inferior, os escravos e grande parte da população, por ser analfabeta, não participavam politicamente do Estado, mas pagavam seus impostos [...]

Os liberais rio-grandenses, partidários de Locke, defendiam a ideia de que o governo deveria pertencer a uma elite que escolheria os representantes do povo, massa bruta que não tinha condições de participar nem de eleições. Nas circunstancias em que vivia, o povo não conhecia doutrina, a qual não estava orientada para ele e que se discutia nos círculos fechados nas lojas maçônicas e nas polemicas jornalísticas. O povo participou da revolução de 20 de setembro de 1835 como peleador, sem entender seu conteúdo ideológico. Lutou, acompanhando seu comandante militar, seu patrão, o dono da estância, a quem estava ligado por laços de dependência econômica”.

 

FLORES, Moacyr. Modelo político dos farrapos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1978, p.34; 35; 39-40.

7.4.24

As dez mentiras mais contadas sobre os indígenas

Texto adaptado de: https://revistaforum.com.br/direitos/2014/12/3/as-10-mentiras-mais-contadas-sobre-os-indigenas-10984.html 

Original em 03-12-2014. Acesso em 07-04-2024

As afirmações listadas abaixo foram extraídas da vida real. Algumas nas ruas do interior do Brasil, outras nas cidades grandes, outras em discursos de políticos. Percepções diversas, vindas de pessoas com histórias diferentes, mas com um direcionamento em comum: a disseminação do discurso anti-indígena com argumentos falsos.

Texto por Lilian Brandt.

 

Mentira nº 1: Quase não existe mais índio, daqui alguns anos não existirá mais nenhum

Se as pessoas não sabem muito sobre os indígenas na atualidade, sabem menos ainda sobre o passado destes povos. Mesmo os pesquisadores não encontram um consenso, e os números variam muito conforme os critérios utilizados.

A antropóloga e demógrafa Marta Maria Azevedo estima que, na época da chegada dos europeus, a população indígena no Brasil era de 3 milhões de pessoas, em mais de 1.000 povos. De acordo com antropóloga, em 1957 havia no Brasil apenas 70 mil indígenas. O crescimento desta população é observado somente a partir da década de 1980.

Em 1991, quando o IBGE passou a coletar dados sobre a população indígena brasileira, eles somavam 294 mil pessoas. Em 2000, o Censo revelou um crescimento da população indígena muito acima da expectativa, passando para 734 mil pessoas. Em 2010, a população indígena continuou crescendo, e o Censo mostrou que mais de 817 mil brasileiros se autodeclararam indígenas, representando 0,47% da população brasileira. Eles estão distribuídos em 305 etnias e falam 274 línguas.

Esse aumento populacional jamais seria possível se fossem considerados apenas fatores demográficos, como a natalidade e a mortalidade. Esses dados revelam o crescimento do número de pessoas que passaram a se reconhecer como indígenas e o “ressurgimento” de grupos indígenas. Isto se dá porque, antes, ser índio no Brasil significava ser atrasado, inferior, escravizado, catequizado, ser alvo de discriminação, de chacinas e até mesmo não ser considerado humano. Diversos povos foram obrigados a abrir mão de suas línguas e de sua cultura. Agora os povos indígenas voltam a afirmar sua identidade, talvez porque as circunstâncias estejam mais amigáveis. Ou talvez porque este grito não suporte mais ser calado.

Os indígenas que vivem em áreas urbanas somam 324 mil, ou seja, 36% do total da população indígena, um número que vem crescendo ano após ano (IBGE, 2010). Há dois motivos recorrentes para que esses índios vivam em áreas urbanas. Um deles é a migração dos territórios tradicionais em busca de melhores condições de vida na cidade. O outro é que os limites das cidades cada vez mais alcançam as fronteiras de seus territórios.

 


Mentira nº 2: Os índios estão perdendo sua cultura

Esta afirmação resume uma série de outras ideias muito difundidas: “índio que usa celular não é mais índio”, e suas variáveis televisão, computador, calça jeans, tênis, rede de pesca, barco a motor, caminhonete, trator e etc.

De modo geral, cultura é o conjunto de manifestações que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a língua, a moral, os costumes, os comportamentos e todos os hábitos e aptidões adquiridos por pessoas que fazem parte de uma sociedade específica.

Sendo composta por diversos elementos, a cultura está em constante transformação, se inter-relacionando de diferentes formas com o ambiente, as circunstâncias, outras culturas e consigo mesma. Logo, a cultura não é algo que se perde, é algo que se transforma constantemente. [...]

Neste sentido, a incorporação de elementos de outra cultura é também uma estratégia de resistência. O uso de equipamentos de pesca dos “brancos”, por exemplo, pode ser um modo de resistência cultural, num entendimento de que pescar é mais importante para a identidade indígena do que se manter preso a técnicas tradicionais e não chegar com o peixe em casa.

Outras vezes, objetos não-indígenas podem ser inseridos na cultura indígena com um significado e uso completamente diferentes do nosso, como garrafas plásticas cuidadosamente cortadas e limadas para fazerem colares, à semelhança do que fazem há centenas de anos com as lascas de caramujos. E outras vezes, por fim, eles podem incorporar determinado elemento de outra cultura e nem por isso serem “menos índios”, assim como comer sushi não nos torna japoneses, tomar chimarrão não nos torna gaúchos e tomar banhos diários não nos torna índios. [...]

 

Mentira nº 3: Estão inventando índios, agora todo mundo pode ser índio 

Se a pessoa se reconhece como indígena e se identifica com um grupo de pessoas que também se reconhecem como indígenas e a consideram indígena, então ela é. Não existe nenhum reconhecimento da Funai, nenhum julgamento de um não-indígena e nenhum critério imposto por nossa sociedade que possa ser maior do que o seu sentimento e o sentimento da coletividade a qual ela pertença.

Ela pode se considerar indígena por uma questão genética e/ou cultural, mas não cabe a nós e nem ao governo atribuir identidade a outra pessoa. A autodeclaração é defendida também pela Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2000.

Por isso, não tem fundamento a ideia de que “sendo assim, todos os brasileiros seriam indígenas, já que correm em nossas veias sangue indígena, daquela bisavó que foi pega no laço”. Este discurso não viria de um indígena. Se o cidadão diz isso querendo reduzir o direito de ser índio na atualidade, é evidente que está se identificando muito mais com o bisavô estuprador do que com a bisavó violentada. [...]

 

Mentira nº 4: O Brasil é um país miscigenado, aqui não tem racismo 

Racismo, assim como machismo, é algo sutil. Às vezes ele aparece escancarado, quando um sujeito chama um negro de “macaco”, quando uma mulher é estuprada, quando se constata um salário menor para mulheres e negros do que para homens brancos para fazerem exatamente o mesmo trabalho. Esse racismo escancarado é muitas vezes (mas nem sempre) condenado pela sociedade.

Há infinitas combinações de cores, há infinitas formas de demonstrar e de esconder o racismo e ainda assim julgar-se superior. Com indígenas é pior, porque a diferença não está só na cor da pele, no tipo de cabelo e na classe social. Além de tudo isso, a diferença é cultural e muitas vezes até linguística. Os indígenas são os brasileiros mais ímpares e diferentes que compartilham o mesmo território que nós.

O racismo pode aparecer em momentos leves, entre amigos. As pessoas naturalizaram de uma tal forma o racismo contra indígenas, que não percebem que jamais poderiam usar aquelas mesmas palavras para se referir a qualquer outro grupo de pessoas. [...]

Um dos modos que o racismo age é pela generalização, quando se nota algo negativo de um indivíduo e se transfere essa questão ofensiva para o povo todo. Utilizando um exemplo bem comum em cidades pequenas que convivem com indígenas, imagine que alguém veja na rua um homem bêbado. Se o homem não é indígena, comenta-se “este homem está bêbado”, mas se ele for indígena o comentário é “os índios estão sempre bêbados”.

 

Mentira nº 5: Os índios têm muitos privilégios

Se estivéssemos aqui falando de privilégios como desfrutar de uma vida em meio à natureza, estaria tudo bem. Mas não, infelizmente este discurso vem acompanhado da crença de que “índio recebe um salário do governo a partir do momento que nasce”.

Pior do que ter tantas pessoas acreditando nisso, é a surpresa que expressam quando descobrem que não. “Não? Mas então, do que vivem?”. Parece impossível acreditar que trabalham e que batalham pelo seu sustento. Ao contrário do que tantos brasileiros acreditam, não existe muita vantagem em ser indígena hoje em dia. Existe sim, muita coragem.

Em relação à saúde, a diferença é que os indígenas são atendidos pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), que é parte do mesmo SUS que atende aos não-indígenas. Na teoria, essa distinção permite um olhar diferenciado dos profissionais de saúde, considerando questões culturais e atuando em consonância com as práticas de saúde tradicionais indígenas. Na prática, como os nossos postos de saúde, alguns funcionam bem, outros não. Faltam equipamentos, às vezes não têm remédios, faltam profissionais especializados, etc. Falta percorrer um longo caminho.

Na área da educação por muitos anos os indígenas estiveram expostos à imposição de nossos valores e negação de sua identidade e cultura. Hoje o Ministério da Educação é responsável por desenvolver uma educação diferenciada, intercultural e bilíngue, dando espaço aos processos de aprendizagem e aos conhecimentos indígenas. Além disso, os indígenas podem elaborar seus próprios currículos e rotinas escolares com gestão indígena. Na prática, como no ensino público para não-indígenas, com exceção de alguns casos de sucesso, faltam materiais didáticos específicos, alimentação (sendo que poucas vezes esta é de fato diferenciada), infra-estrutura etc.

Quanto aos benefícios sociais, indígenas são considerados pelo INSS “segurados especiais” para fins de acesso ao salário maternidade, aposentadoria por idade, auxílio doença, auxílio acidente, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e auxílio reclusão.

Segurados especiais são os trabalhadores rurais que produzem em regime de economia familiar, sem utilização de mão de obra assalariada. Além dos indígenas, são considerados segurados especiais os agricultores, os seringueiros e os pescadores artesanais. Os indígenas precisam comprovar que sua subsistência advém do extrativismo, do plantio ou de outra atividade vinculada à terra e aos recursos naturais. Ou seja, os indígenas acessam estes benefícios não por serem indígenas, mas sim por viverem de atividades rurais, pois se forem assalariados, deixam de ser segurados especiais.

E, por fim, os indígenas possuem o direito de usufruir de seu território. As Terras Indígenas não são dos indígenas, são propriedade da União, terras públicas que pertencem a toda a nação brasileira, cedidas aos índios em regime de posse permanente e usufruto exclusivo. Ou seja, eles não têm a propriedade das terras: ganham o direito de nelas residir e fazer uso das riquezas do solo e das águas para a atual e as futuras gerações viverem.

 

Mentira nº 6: Os índios são tutelados, por isso índio não vai preso

Essa história é antiga e tem um fundo de verdade. Desde o período colonial até o século passado, o Estado sempre considerou que os indígenas deveriam ser integrados, ou seja, deveriam negar suas identidades em nome de sua inserção à nação brasileira.

O Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/73) endossou o regime de tutela, depois de separar categorias de índios em “isolados”, em “vias de integração” e “integrados”, estabelecendo que o regime tutelar se aplicaria aos índios ainda não integrados.

A legislação só tomou um rumo diferente em 1988, com a atual Constituição Federal Brasileira. Nossa Constituição reconheceu e introduziu os direitos permanentes dos índios, abandonando a ideia de que eles seriam assimilados à nossa sociedade e endossando a ideia de que os índios são sujeitos presentes e capazes de permanecer no futuro. Ela reconheceu ainda o direito dos indígenas às suas terras e à cidadania plena. Esse avanço na legislação indigenista foi uma conquista do movimento indígena.

Em relação à criminalização, o Estatuto do Índio diz que a pena deve ser atenuada, e “se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado” (Art. 56).

A tutela em nada tem a ver com a não-responsabilização do indivíduo por um crime que praticou. Tem a ver com um julgamento diferenciado caso a questão se relacione à sua prática cultural e à necessidade de um intérprete em seu interrogatório, caso o indígena não tenha completo domínio da língua portuguesa.

Em relação aos delitos, a lei para os indígenas é a mesma que a nossa. Índios podem ser e são presos quando roubam, quando praticam atos de violência, cometem assassinatos e por todos os motivos que os não-indígenas são presos.

 

Mentira nº 7: Tem muita terra para pouco índio 

Em 1973, o Estatuto do Índio ordenou ao Estado brasileiro a demarcação de todas as terras indígenas até dezembro de 1978. Depois de dez anos, a Constituição Brasileira reconheceu aos índios os “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (Art. 231), e estabeleceu o prazo de cinco anos para a demarcação de todas as Terras Indígenas.

Quando a Constituição traz o termo “direitos originários”, ela revela que este direito vem desde sempre, antecedendo à própria Constituição. As demarcações são apenas reconhecimento desse direito pré-existente. A noção de território não constitui apenas uma relação de ocupação ou exploração, mas o fundamento da existência do povo, pois somente em seu território é possível a prática plena de sua cultura.

No entanto, até hoje o Estado se recusa a cumprir sua obrigação e a cada dia crescem mais os interesses econômicos sobre estas terras tradicionais. Não bastasse isso, muitas Terras Indígenas são cada vez mais diretamente ou indiretamente afetadas por grandes empreendimentos, monoculturas com uso abusivo de agrotóxicos, mineradoras etc.

Enquanto os agentes destes grandes poderes econômicos tentam barrar todos os processos de demarcações, também dizem que é preciso modificar o procedimento de demarcação. O Decreto 1.775/1996 detalha todo o procedimento, havendo um grupo técnico especializado, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação. Após passar por autorização da Funai, é aberto um prazo para contestações e somente depois é feita a demarcação.

Os ocupantes não-indígenas são indenizados tanto pelas benfeitorias quanto pelos títulos de propriedade de boa fé. Além disso, os ocupantes não-índios que atendem ao perfil da reforma agrária são reassentados, a cargo do Incra.

As Terras Indígenas são inalienáveis e indisponíveis, ou seja, os indígenas não podem efetuar nenhum negócio jurídico que acarrete a transferência da titularidade de direitos sobre estas terras, e nem mesmo permitir o beneficiamento de não-indígenas com a exploração dos recursos naturais, pois o usufruto é exclusivos dos indígenas.

O discurso anti-indígena tem como principal argumento que as Terras Indígenas ocupam 13% do território nacional. Mas os brasileiros não se dão conta da imensa área que os latifúndios ocupam. O Brasil tem uma área de mais de 851 milhões de hectares. Destes, mais de 318 milhões são ocupados por grandes propriedades, totalizando 37% do território nacional. [...]

Os indígenas ocupam uma área de 106 milhões de hectares, sendo mais de 567 mil pessoas. Ou seja, os indígenas estão em um território quase 3 vezes menor que o território das grandes propriedades, apesar de ser quase 4 vezes mais populoso. E repare que não estão sendo contados aqui os indígenas que vivem nas cidades, somente os que vivem em Terras Indígenas. Seria preciso multiplicar em 37 vezes o número de proprietários no latifúndio para ele se equivaler à área por pessoa em Terra Indígena. Portanto, nota-se: temos no Brasil muita terra para poucos proprietários.

A maior parte das terras indígenas está na Amazônia Legal, onde vive cerca de 55% da população indígena no Brasil. Nas demais regiões do país, principalmente nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, além do estado do Mato Grosso do Sul, os povos indígenas conseguiram manter a posse em áreas geralmente diminutas e esparsas, espremidos entre cidades e fazendas, sem as condições mínimas necessárias para manter seu modo de vida. É justamente nessas regiões que se verifica atualmente a maior ocorrência de conflitos fundiários e disputas pela terra.

 

Mentira nº 8: Os índios são preguiçosos e não gostam de trabalhar

Cá entre nós, poucas pessoas verdadeiramente gostam muito de trabalhar. A maioria trabalha porque precisa do dinheiro para pagar as contas, para comprar comida, para comprar o celular e para comprar sempre e cada vez mais tudo que possa surgir. Essa é a lógica das sociedades capitalistas: ter cada vez mais, acumular e nunca estar satisfeito com o que tem.

A lógica indígena, tradicionalmente, não se interessa em acumular, e sim em desfrutar. Portanto, se antes do sol chegar ao alto do céu, o homem já pescou peixe para a família toda se alimentar naquele dia, ele pode voltar para casa e descansar, pois sua obrigação já foi cumprida.

Mas espera aí… caçar, pescar, plantar, colher, manejar, construir sua casa, fazer seu barco e fazer tudo mais que uma vida auto-subsistente necessita não parece nada fácil. Imagine então que para realizar cada uma destas tarefas é preciso muitas outras. Para fazer o barco, por exemplo, é preciso entrar no mato, encontrar uma árvore de uma espécie específica que esteja num bom tamanho e formato, derrubar a árvore, tirar da floresta, cortar e moldar a madeira, queimar de um modo específico com uma lenha específica, moldar novamente como o avô ensinou, queimar de novo, e pronto, finalmente ele tem o barco para pescar, resumidamente. Quem se habilita?

Durante séculos os indígenas estiveram domesticando diversas espécies de plantas que hoje consumimos, como o milho, um dos grãos mais produzidos no mundo, e a mandioca, que os brasileiros tanto gostam. Estas plantas e tantas outras, como feijões, abóboras, carás e tomates, não eram encontradas na natureza como hoje as conhecemos. São o resultado de muito trabalho indígena.

Superando esse preconceito, vamos considerar que os indígenas também têm o direito de querer comprar coisas que compramos, e, portanto, precisam de dinheiro. Algumas etnias estão buscando meios de vida que integrem sua cultura a essa nova necessidade.

 

Mentira nº 9: Nossa sociedade é mais avançada, não temos nada para aprender com os índios

Todo mundo sabe que a cultura brasileira tem influência indígena. Com eles aprendemos diversas palavras, o respeito à natureza e o hábito de tomar banho todos os dias, certo? No entanto, para cada elogio existe um contraponto: “índio que fala português não é mais índio”, “antes índio era inocente, agora índio só pensa em dinheiro” e a pior frase de todas: “índio fede”.

Essa mentira é muito comum: “índio fede”. Não, o que fede é o preconceito. Índio tem cheiro de óleo de tucum, de urucum e jenipapo, tem cheiro de fogo feito em casa, de peixe assado, de suor de quem trabalha, de banho de rio, de sabonete e de perfume comprado em shopping.

Enchemos o peito para dizer que o Brasil é um país lindo, rico em minérios, com uma biodiversidade impressionante e com muita fartura de água. Mas seguimos exaurindo os nossos recursos naturais perseguindo um desejo de crescimento que parece nunca ter fim, como se os recursos naturais fossem infinitos. Mas saibam, recursos naturais chegam ao fim.

Estamos sacrificando nossa diversidade biológica e cultural para enriquecer ainda mais quem já é rico. E os índios, que são o símbolo maior de uma vida sustentável, que são os grandes conhecedores da biodiversidade brasileira, tão pouco conhecida pelos cientistas, estão sendo desprezados.

Enquanto se desmata incessantemente a Amazônia e o Cerrado, desaparecem espécies de plantas que poderiam ser utilizadas para tratar inúmeras doenças, conhecidas ou não. Enquanto se pratica o genocídio e se mantém os indígenas como reféns do “progresso”, infinitas possibilidades de conhecimento vão desaparecendo e os brasileiros não se dão conta.

 

Mentira nº 10: Os índios atrasam o desenvolvimento do País 

Mesmo que no mundo todo cada vez mais aumente a preocupação ambiental, o Brasil continua com a mesma ideologia que balança no centro de nossa bandeira, nossa palavra de ordem é o progresso.

Um progresso desesperado, que não pode dar o tempo para fazer o estudo de impacto ambiental, que não pode analisar as possibilidades de redução de danos, um progresso que chega custe o que custar, e que agora, mais do que nunca, quer explorar os recursos das Terras Indígenas.

O principal aspecto a ser considerado é que os grandes donos do poder econômico (os setores bancário, armamentista, minerário, farmacêutico, da construção civil, do agronegócio etc.) possuem interesse em divulgar uma imagem negativa dos indígenas. As grandes corporações tomaram conta da arena política e querem a qualquer custo convencer a nação de que “é preciso crescer e os índios atrasam o desenvolvimento do País”. Na lógica deles é mais importante plantar soja para a China do que preservar as nascentes brasileiras.

Os indígenas têm o direito de viverem em seus territórios. Já temos no país muitas terras para a criação de gado e o plantio de monoculturas, concentrada nas mãos de poucas pessoas. Desenvolvimento é bom, mas de qualquer jeito, não. Não podemos admitir um desenvolvimento que desrespeite leis, culturas e provoque mais desigualdade social.

Os indígenas devem poder escolher se desejam se beneficiar do desenvolvimento e de que forma, ou se preferem nem se envolver. Mas eles não podem continuar sendo desrespeitados em nome do interesse econômico.

Não precisamos de um crescimento desrespeitoso, realizado sem estudos de impacto ambiental, social e cultural. Tampouco necessitamos da malícia de políticos e da mídia. Precisamos sim tirar a venda dos olhos e enxergar o índio realmente, pois são mentiras e preconceitos que atrasam a evolução humana.

O desenvolvimento deve ser bom para todos. A paz entre os povos, já prevista em nossa Constituição Federal, deve ir além da diplomacia e incluir os que vivem em solo pátrio.

Tenhamos amor!

25.3.24

Joana Angélica

 


“Nos primeiros dias de insegurança e medo que tomaram conta da cidade da Bahia, em fevereiro de 1822, a abadessa Joana Angélica se tornou a primeira heroína e mártir da independência.

O general português Madeira de Melo enfrentava a oposição do comando dos militares brasileiros com violência. Durante o ataque ao quartel da Mouraria, os soldados portugueses tentavam invadir o Convento da Lapa em busca de armas e inimigos supostamente escondidos.

Já com 60 anos e pela segunda vez na direção do Convento, a religiosa tentou impedir a entrada de soldados no ambiente feminino. Recebeu golpes de baioneta como resposta e faleceu no dia seguinte, em 20 de fevereiro de 1822.

Na época, seu assassinato serviu como um dos estopins para o início da revolta dos brasileiros. Atualmente, Joana Angélica dá nome à avenida principal do bairro de Nazaré, onde fica o Convento da Lapa.”

 

Fonte: https://www.geledes.org.br/mulheres-da-independencia-3-mulheres-sao-heroin as-do-2-de-julho/

 

Reflitam sobre os seguintes pontos:

a) Quem foi Joana Angélica?

b) Ela teve papel de destaque no processo de independência? Por quê?

c) Qual foi o ato de heroísmo de Joana?

Maria Quitéria

 


“Maria Quitéria de Jesus, a mulher-soldado, nasceu em São José de Itapororocas, no ano de 1797, na antiga Província da Bahia.

Em 1822, sob o ideal de liberdade, o Recôncavo Baiano lutava contra o dominador português que se negava a reconhecer a Independência do Brasil. Nesse clima, surge a figura de Maria Quitéria. A necessidade de efetivos fez com que a Junta Conciliadora de Defesa, sediada em Cachoeira-BA, conclamasse os habitantes da região a se alistarem para combater os portugueses.

Maria Quitéria, uma humilde sertaneja baiana, atendeu ao chamado, motivada pelos ideais de liberdade que envolviam seus conterrâneos. Ante a posição contrária do pai, foge de casa e, com o uniforme de um cunhado, incorpora-se inicialmente ao Corpo de Artilharia e, posteriormente, ao de Caçadores, com nome de Soldado Medeiros. O seu batismo de fogo ocorre em combate na foz do rio Paraguaçu, ocasião em que ficam evidenciados seu heroísmo invulgar e sua real identidade.

Em fins de 1822, a intrépida baiana, já com saiote tipo "highlander escocês" sobre o uniforme militar, incorpora-se ao Batalhão dos Voluntários de D. Pedro I, tornando-se, desse modo, oficialmente, a primeira mulher a assentar praça numa unidade militar, em terras brasileiras.

De armas na mão, participando de combates como o da Pituba e o de Itapuã, torna-se merecedora das mais honrosas citações de bravura, valor e intrepidez, passando a constituir-se em referência do heroísmo da mulher brasileira.

Finda a campanha baiana, Maria Quitéria embarca para o Rio de Janeiro. [...] No dia 20 de agosto de 1823, D. Pedro I confere à gloriosa guerreira a honra de recebê-la em audiência especial. Sabedor da bravura e da maneira correta com que sempre se portara entre a soldadesca, num gesto de profunda admiração, concede-lhe o soldo de "Alferes de linha" e a condecoração de "Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro", em reconhecimento à bravura e à coragem com que lutara contra os inimigos da Pátria.”

 

Fonte: http://www.eb.mil.br/patronos/-/asset_publisher/e1fxWhhfx3Ut/content/maria-q uiteria-1?inheritRedirect=false

 

Reflitam sobre os seguintes pontos:

a) Quem foi Maria Quitéria de Jesus?

b) Ela teve papel de destaque no processo de independência? Por quê?

c) Por qual motivo Maria Quitéria foi condecorada pelo imperador Dom

Pedro I?


9.3.24

Policarpa Salavarrieta (La Pola)

 


“Por várias vezes também se prestavam ao serviço de espiãs, no qual se saíam muito bem, pois conseguiam acesso a certas casas ao se colocarem como serviçais, passando despercebidas aos olhos de insurrectos ou realistas. Luis Vitale dá o exemplo de “Policarpa, [que] ​atuou como mensageira dos revolucionários no período da Reconquista Espanhola. Era uma costureira de Bogotá, oriunda do Valle del Cauca; transportava as mensagens anticoloniais camufladas em laranjas​.” As atividades de espionagem de Policarpa Salavarrieta foram tão bem sucedidas que passou a ser procurada como um dos principais agentes republicanos. Morreu fuzilada.”

Fonte: RODRIGUES, Amanda Maria Lima. As mulheres e as guerras de independência na América Latina do século XIX: invisíveis ou inexistentes? Ameríndia​, v. 3, n. 1, 2007. p. 5.


Reflitam sobre os seguintes pontos:

a) Quem foi Policarpa Salavarrieta?

b) Ela teve papel de destaque no processo de independência? Por quê?

c) Qual o motivo de sua condenação à morte?