22.10.24

Santa Catarina

 

Os eventos políticos que se sucederam em Portugal e no Brasil e culminaram com a independência repercutiram em Santa Catarina de maneira geral em conformidade com as orientações dirigidas pelo Rio de Janeiro, seja pelo rei Dom João, seja pelo príncipe Dom Pedro. Tal vínculo advinha da função estratégica que a Ilha de Santa Catarina desempenhou na segunda metade do século XVIII e no começo do XIX. Desterro era considerada o posto avançado do Rio de Janeiro no Rio da Prata. Calcula-se que na época da independência a província tinha cerca de 45 mil habitantes; destes, 25% eram escravizados; já a população livre convivia com constantes recrutamentos para o exército e confisco da produção agrícola para o abastecimento das tropas.

Não há registro de revoltas ou contestação política em Santa Catarina nos moldes do que ocorreu em outras províncias, o que marcou a peculiaridade da independência nesta província. Não que não pudesse acontecer: como porto marítimo, as ideias circulavam pelos viajantes que ali aportavam.

Em 25 de abril de 1821, o governador João Vieira Tovar e Albuquerque jurou as bases da Constituição, após saber que Dom João havia feito o mesmo no Rio de Janeiro. A notícia de que as capitanias, mesmo as subordinadas, seriam transformadas em províncias, foi bom para Santa Catarina, pois a equiparava às demais unidades políticas, ainda que com um território bastante minúsculo se comparado ao atual, envolvendo as vilas de Desterro (capital), Laguna, São Francisco do Sul e Lages.

No ano de 1822, os decretos de Dom Pedro com o objetivo de fortalecer sua autoridade, como o Dia do Fico, e a convocação de uma Assembleia Constituinte, foram bem recebidos pelos catarinenses. A Junta de Governo, prevista pelas Cortes, só foi eleita em maio de 1822, bem depois do que era previsto, por uma manobra do agora governador Tomaz Joaquim Pereira Valente.

A sintonia política da província com o Rio de Janeiro não significa dizer que suas autoridades tivessem plena compreensão da profundidade dos acontecimentos. A ideia de independência como ruptura política dos dois reinos, ao que parece, não fazia parte do horizonte político dos habitantes locais. Talvez defendessem a ideia de dois governos separados, mas um único Império Português, comandando pelo rei Dom João.

A notícia da independência em Santa Catarina foi formalizada em 1º de outubro de 1822, quando chegou a notícia que seria feita a aclamação de Dom Pedro como imperador do Brasil no dia 12 de outubro, o que foi feito, sem sobressaltos. Junto às celebrações e certo entusiasmo político, havia também apreensão e temor de que uma esquadra portuguesa pudesse desembarcar a qualquer momento e restabelecer o domínio lusitano, o que não aconteceu. E assim, Santa Catarina se tornou parte do Império do Brasil.

Rio de Janeiro

 

A cidade do Rio de Janeiro se transformou com a chegada da Corte, em 1808. Novos prédios foram construídos, novas instituições foram criadas e um aumento populacional muito grande aconteceu. No entorno da cidade, no que hoje chamamos de Baixada Fluminense, os antigos canaviais se transformaram em fazendas de produção de gêneros alimentícios, transportados pela Baía de Guanabara até a cidade.

No entanto, a província agregava um território muito maior. Na época pré-independência, destacava-se a plantação de cana de açúcar na região de Campos dos Goytacazes, e do café, no Vale do Paraíba, ambos com grande uso de mão de obra escravizada.

Em termos políticos, com exceção de Campos, cuja elite debateu em certo momento o interesse em apoiar as Cortes de Lisboa, em 1821, não há pesquisas específicas sobre as posições das Câmaras municipais sobre o apoio a Dom Pedro, mas tudo indica que as elites locais recusaram as propostas das Cortes e festejaram a permanência de Dom Pedro no Brasil e sua coroação.

Já na capital, a chapa esquentou com as notícias da Revolução do Porto. Em 26 de fevereiro de 1821, um levante da tropa provocou o juramento das bases da Constituição. No dia 7 de março, Dom João anunciou seu retorno a Portugal e a eleição dos deputados fluminenses às Cortes. A eleição, em 21 de abril, que deveria ser para um público restrito, no prédio da Praça de Comércio, logo tornou-se popular, com a presença de uma multidão. No meio da eleição, irromperam gritos solicitando a adoção da Constituição Espanhola, vista como uma referência, até que a portuguesa ficasse pronta. Um grupo de cinco pessoas foi até o rei, no Palácio de São Cristóvão, entregar um abaixo-assinado com quase 500 assinaturas, solicitando essa adoção, além da nomeação de um conselho para assessorar Dom Pedro, que ficaria no Brasil como príncipe regente. O rei aceitou a primeira exigência e prometeu pensar na segunda.

No entanto, os ânimos se exaltaram na Praça do Comércio, com boatos de que tropas iriam atacar o local e que o grupo de cinco pessoas teria sido detido. Apenas à meia-noite o quinteto retornou do Palácio e o clima se acalmou. Contudo, os manifestantes resolveram eleger uma Junta de Governo, além dos deputados às Cortes, processo que terminou às 4 horas da manhã. Diante do prolongamento, tropas lideradas pelo comandante português Jorge Avilez cercaram a Praça do Comércio às 5 horas, e atacaram a tiros e baionetas quem estava por lá. O número de mortos é incerto (de um a trinta), e o número de feridos, também. Pela manhã, Dom João anulou a adoção da Constituição Espanhola e emitiu um decreto estabelecendo os poderes do príncipe, sem o conselho.

Avilez, nos meses seguintes, entraria em choque com Dom Pedro, pois acreditava que a sua tropa deveria ser tutora do príncipe. Em julho, exigiu que ele jurasse as bases da Constituição e nomeasse uma Junta de Governo. Em outubro, mobilizou suas tropas para que fossem cumpridas as ordens vindas de Lisboa.

Em 9 de janeiro de 1822, Dom Pedro declara que permaneceria no Brasil, mesmo após as Cortes solicitarem seu retorno (Dia do Fico). No dia 11, Avilez reúne dois mil soldados no Morro do Castelo e organiza um movimento com o objetivo de depor Dom Pedro, anular seus poderes e exigir sua fidelidade a Portugal. Houve quebra-quebra e tumulto generalizado entre apoiadores dos lusitanos e da independência. Durante as negociações, Avilez transfere a tropa para Niterói, onde permaneceu buscando reforços. Porém, são cercados e depois de alguns dias, se rendem e retornam a Portugal. Sem uma força militar no seu encalço, Dom Pedro estava livre para se dedicar a costurar as alianças que selariam a independência do Brasil, na qual o Rio de Janeiro teria um papel central, e, posteriormente, capital do Império.

São Paulo

 

O século que antecedeu à independência em São Paulo foi de grande crescimento populacional e produtivo, relacionado ao fornecimento de gêneros de subsistência para as Minas Gerais. Além disso, a lavoura de açúcar ocupou papel importante na economia paulista. Esse processo foi acentuado com a chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, e com o início da produção de café no Vale do Paraíba.

A Revolução do Porto instaurou Juntas de Governo nas províncias, com o objetivo de limitar o poder do rei. A primeira Junta em São Paulo foi aclamada em 23 de junho de 1821, sendo presidida pelo último governador, João Carlos Augusto de Oyenhausen. Seu vice-presidente era José Bonifácio de Andrada e Silva; e o secretário do Interior era Martim Francisco Ribeiro de Andrada, além de outros cargos. Seus membros tinham destaque entre grupos de produtores e negociantes, e a maioria se envolveu na política imperial após a independência. Seus membros reunidos nunca se mostraram hostis ao governo de Dom Pedro, mas pretendiam agir com autonomia, mantendo liberdades que tinham anteriormente e, inclusive, discutir atos do príncipe.

Porém, a Junta paulista nunca foi soberana na província. Em maio de 1822, ocorreu um movimento que ficou conhecido como “Bernarda de Francisco Inácio”, que opôs o grupo liderado por Martim Andrada e o grupo liderado por Francisco Inácio de Sousa Queiros. Esses conflitos teriam ensejado a movimentação de parte da tropa, culminando na expulsão de Martim da Junta em 23 de maio de 1822. Constantes confrontos entre autoridades estabelecidas na cidade de São Paulo e nas vilas de Santos e Itu, inclusive a insubordinação das tropas instaladas em Santos em 1821 e a tentativa da Câmara de Itu de formar uma Junta de Governo própria em 1822, indicam a dificuldade na manutenção da união entre grupos de interesse das diversas localidades.

Durante os meses que precederam o Grito do Ipiranga se estabeleceu um complexo processo de acordos e alianças entre Dom Pedro e grupos de poder fluminenses, mineiros e paulistas, para que estes reconhecessem o Rio de Janeiro como centro político e administrativo. O apoio a Dom Pedro não era consensual e foi conquistado gradativamente através de garantias dadas às redes familiares e de negócios destas províncias para que pudessem continuar com suas operações mercantis e influência política com segurança e lucratividade.

A primeira Junta de Governo paulista atuou até agosto de 1822, quando foi dissolvida pessoalmente por Dom Pedro. Em seu lugar, o príncipe instituiu uma junta provisória, liderada pelo bispo Dom Mateus de Abreu Pereira, que atuou até janeiro de 1823. É nesse contexto que Dom Pedro estava quando recebeu notícias da Princesa Leopoldina, de que as Cortes ordenavam seu retorno a Portugal. E é ali que proclama o Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, marco simbólico da independência brasileira.

Minas Gerais

 

A historiografia defende o papel central de Minas Gerais na articulação e sustentação do projeto político de um Império do Brasil. Era a província mais populosa do Brasil, com aproximadamente 500 mil habitantes, sendo destes, cerca de 175 mil escravizados. A sua economia era baseada na produção para o abastecimento do Rio de Janeiro, capital da América Portuguesa.

As notícias da Revolução do Porto rapidamente encontraram eco na província. Entre 1821 e 1822 ocorreram, em diferentes locais da província, como Minas Novas, Vila do Príncipe e Paracatu, sublevações e movimentos protagonizados pelas então chamadas “classes ínfimas”, inclusive os temidos “ajuntamentos de negros” que defendiam vozes de liberdade.

O período da independência também é marcado por uma série de tensões no seio das elites, por conta das formas de representação e da construção dos novos espaços de poder. Inicialmente, quando as notícias das Cortes de Lisboa chegam, o governador Manoel de Portugal e Castro jura as bases da Constituição. Por isso, acreditava que tinha legitimidade para permanecer no cargo, sem a eleição de uma Junta. Porém, parte da elite defendia a eleição de uma Junta, tal como acontecia em outras partes do Brasil.

No final de setembro de 1821, é realizada a eleição para a Junta. A composição dela demonstra a falta de unidade entre os diversos grupos políticos na província. O próprio governador Manoel foi eleito presidente. Os enfrentamentos que se seguiram à instalação da Junta, que envolveram acusações de espionagem e tentativas de assassinato, resultaram no pedido de demissão de Manoel.

Um novo ponto de tensão ocorreu com a chegada dos decretos vindos de Lisboa tratando sobre a nova organização dos governos provinciais. A junta mineira declarou-se incapaz de fazer cumprir estes decretos. Além disso, parte dos deputados mineiros eleitos às Cortes, ao invés de embarcar para Lisboa, permaneceu no Rio de Janeiro e declarou publicamente seu apoio a Dom Pedro. Foi chave nessa declaração o vice-presidente da Junta mineira e deputado, José Teixeira da Fonseca Vasconcellos. Dessa forma, se verifica o rompimento entre a Junta de Governo, sediada em Vila Rica, e parte dos deputados eleitos.

Outro foco de tensão se deu dentro das próprias Câmaras de Vereadores. Várias delas apoiaram diretamente a permanência de Dom Pedro no Brasil, e algumas delas inclusive adotaram posturas contrárias a da Junta de Governo, não reconhecendo sua legitimidade pra falar em nome da população.

Foi diante desse quadro de tensões que Dom Pedro realizou uma viagem pela província, entre março e abril de 1822. Reafirmando seu amor à causa do Brasil, recebeu festejos nas vilas ao sul da província pelas quais passou (Barbacena, São João del Rei, São José del Rei e Queluz), mas tal acolhimento não aconteceu na capital, Vila Rica. Ali, ele só adentrou apenas após negociações e uma ameaça velada de uso da força armada. A seguir, a Junta de Governo foi dissolvida e uma nova eleição foi convocada. A viagem de Dom Pedro teve sucesso ao construir um relativo consenso em relação à adesão de Minas Gerais ao governo do Rio de Janeiro e o rompimento com Portugal.

Bahia

 

Tirando o Rio de Janeiro, a Bahia era a peça mais importante do Império Português na América. E, por isso, foi tão disputada. Um amplo comércio de fumo, açúcar, escravizados, tanto interno quanto externo, aquecia os mercados da capital. Calcula-se que em 1780 havia cerca de 220 mil habitantes na Bahia, dois terços deles em Salvador e seus arredores, o Recôncavo Baiano.

O movimento de adesão às Cortes iniciou no dia 10 de fevereiro de 1821, com a instalação da Junta de Governo. O ano de 1821 ocorreu com certa tranquilidade, destacando-se pela ampla circulação de panfletos e jornais, nos quais se destacavam Idade d´Ouro do Brasil, Sentinela Bahiense e Semanário Cívico, os quais difundiam a teoria política liberal. Em 3 de setembro são eleitos os deputados para as Cortes. Nada apontava para uma separação entre Brasil e Portugal

Em 1822, a situação mudou. Em fevereiro, uma nova Junta de Governo é eleita, com base nas orientações das Cortes. E o comando militar da Bahia é entregue a um militar português, Inácio Luís Madeira de Mello. A decisão vinda de Lisboa descontentou militares e civis, gerando conflitos armados em Salvador entre os dias 18 e 21 de fevereiro. Duzentas a trezentas pessoas morreram. Muitos deixam a capital e se instalam no entorno, na região do Recôncavo, onde estavam as principais fazendas.

Entre os meses de fevereiro e maio a resistência aos militares que ocupavam Salvador se deu de forma passiva. A partir de junho iniciam-se os combates entre as tropas portuguesas e o Exército Libertador, uma força militar organizada no Recôncavo. Várias das Câmaras de Vereadores da Bahia aclamaram Dom Pedro como defensor perpétuo do Brasil. O conflito passou a ser aberto. No dia 21 de agosto, é instalado um governo paralelo, com sede na cidade de Cachoeira, e que apoiava abertamente a causa da independência.

Em algumas vilas foram registrados episódios violentos de perseguição e morte de portugueses, conhecido como mata-marotos. Vilas do interior, como Caetité e Rio de Contas, no oeste e longe de Salvador, instalaram suas próprias Juntas, não acatando as ordens vindas de Cachoeira. Escravizados eram recrutados para lutar no exército, para engrossar o número de soldados. Indígenas eram alistados, com destaque pata o chefe das tropas de índios flecheiros, Bartholomeu “Jacaré”. A efervescência política e social era enorme.

Em novembro, ocorre o principal conflito da independência na Bahia, a Batalha do Pirajá, nos arredores de Salvador. A vitória das tropas baianas consolida a sua posição no cerco à cidade. Com o tempo, reforços chegam, incluindo alguns enviados por Dom Pedro, liderados pelo general Pedro Labatut. Labatut teve sérias divergências com os membros do governo da Cachoeira e foi acusado de autoritarismo. Em maio, ele é removido do comando do Exército Libertador. Em abril, o almirante Thomas Cochrane chega com uma esquadra que bloqueia a Baía de Todos os Santos. Acuados e sem acesso a mantimentos, tanto por terra como por mar, as tropas portuguesas se rendem no dia 1º de julho de 1823, e deixam Salvador no dia seguinte. Esse dia, atualmente, é o feriado estadual na Bahia. Consolidava-se a adesão da Bahia ao Império Brasileiro.

Pernambuco

 

Pernambuco era uma das regiões mais importantes do Império Português. Nas primeiras duas décadas do século XIX, viveu um renascimento do açúcar, e um boom nas plantações de algodão, exportado para a Inglaterra. Todas essas plantações com mão de obra escravizada. Calcula-se que Pernambuco na época da independência tinha cerca de 480 mil habitantes, destes, 130 mil eram escravizados. Politicamente, contudo, as ideias liberais radicais afloravam. A revolta com os impostos por conta da presença da família real no Brasil, somado aos efeitos da seca de 1814 a 1817, levaram a uma rebelião em 1817, que governou a província de forma autônoma e republicana por 74 dias.

A repressão à rebelião de 1817 foi brutal, com diversos fuzilamentos, incluindo padres, o que era incomum no Império Português. Os que permaneceram presos acabaram sendo soltos com a Revolução do Porto. Estes voltam a Pernambuco e se juntam a setores sociais insatisfeitos, formando uma Junta de Governo paralela, sediada na cidade de Goiana, e que se opunha ao Conselho de Governo oficial, sediado no Recife, liderado pelo governador Luís do Rego Barreto.

Após tensões e uma tentativa de atentado contra si, Barreto renuncia e é eleita uma Junta de Governo em outubro de 1821, a qual será presidida por Gervásio Pires Ferreira, um dos líderes de 1817. A Junta não apoiava Dom Pedro, mas também não deixou tropas portuguesas enviadas pelas Cortes de Lisboa desembarcarem no Recife.

Dom Pedro envia emissários para articular a oposição a essa Junta. Congregando militares, proprietários de terras que temiam revoltas de escravizados e magistrados, a oposição derruba a Junta em setembro de 1822. A nova Junta, que ficará conhecida como “Junta dos Matutos” e que incluiria nomes importantes na política brasileira do século XIX, como os irmãos Cavalcanti e Araújo Lima, era alinhada com o Rio de Janeiro.

A independência estava garantida em Pernambuco, mas não sem sobressaltos, como o levante de oficiais e soldados pardos em fevereiro de 1823, conhecido como “Pedrosada”, por conta de seu líder, Pedro Pedroso, um oficial que auxiliou na derrubada de Pires Ferreira, mas não foi recompensado por isso. E, em 1824, a Confederação do Equador, cuja repressão violenta por parte do governo imperial garante definitivamente a presença de Pernambuco (e do Nordeste, como um todo) no Império Brasileiro.

Ceará

 

No início do século XIX, o Ceará era economica e politicamente periférico se comparado a outras regiões da América Portuguesa. Politicamente, recém tinha conquistado sua autonomia, separando-se de Pernambuco em 1799. Economicamente, a sua base era na lavoura de mandioca e de algodão.

Os conflitos políticos na província começaram com as notícias que chegaram de Lisboa, no começo de 1821. É nesse contexto que cresce o antilusitanismo, tanto entre as elites quanto entre os grupos populares. A notícia de que diversas províncias estavam criando Juntas de Governo leva as autoridades políticas e militares do Ceará a pressionarem o então governador Francisco Alberto Rubim a jurar as bases da Constituição. A pressão também tinha um fundo de insatisfação com medidas tomadas por Rubim que limitavam o acesso à mão de obra indígena e outras que limitavam o poder das elites econômicas locais. Em 14 de abril, Rubim jura a Constituição, mas não ordena a eleição de uma Junta.

Em 31 de julho formou-se a primeira Junta de Governo, mas que teve vida curta, por conta de tumultos no interior da província. Figuras como o capitão José Pereira Filgueiras e o coronel Leandro Bezerra Monteiro, apoiados por grandes contingentes de cabras e mulatos, se posicionavam contra a Constituição e a Junta. No vale do Cariri, grupos armados interrompiam missas falando que a Constituição era “lei do diabo”.

Em 3 de novembro, Rubim é deposto e é eleita uma nova Junta, a qual é sucedida por outra, em fevereiro, composta por portugueses simpáticos ao liberalismo de Lisboa. O ano de 1822 é marcado por motins defensores do rei no interior e contra as Cortes: no Cariri, em Aracati, em Russas, em Ibiapina, em Maranguape, as quais são violentamente reprimidas pelo governo de Fortaleza. Em 16 de outubro, a Câmara de Icó estabelece um Governo Temporário, separado de Fortaleza, e liderado por Filgueiras. Temendo consequências da atitude de Icó, a Junta de Governo adere à independência do Brasil em 24 de novembro. A adesão das lideranças do Ceará ao projeto de separação vindo do Rio de Janeiro foi muito mais um resultado de conflitos pessoais e entre as famílias das diferentes regiões da província do que associações espontâneas a agentes externos ou manifestações de fidelidade ideológica ou identitária.

Mesmo com a adesão a independência, a Junta de Governo não aguentou a pressão vinda do interior, e Filgueiras, com cerca de dois mil homens, entrou em Fortaleza em 23 de janeiro de 1823. Era a vitória do sertão da província sobre os comerciantes do litoral, que eram mais ligados a Lisboa que ao Rio de Janeiro. Em seguida, o governo da província organiza o envio de tropas para o Piauí, para defender os adeptos da independência. Elas participam da importante Batalha do Jenipapo e de batalhas no Piauí e no Maranhão, contribuindo para a adesão dessas duas províncias ao nascente Império do Brasil.

Piauí

 

Nas primeiras décadas do século XIX, o Piauí se inseria no sistema colonial como fornecedor de gado e insumos a várias regiões, sobretudo Pernambuco e Bahia. Até o início da década de 1820, não havia nenhum desejo de ruptura com Portugal. A partir de então, em meio às movimentações separatistas que se espalhavam pela colônia, explicitaram-se interesses e contradições entre duas redes familiares que desejavam ampliar sua influência sobre a administração provincial: uma sediada no centro-sul, a família Sousa Martins; e outra ao norte, a família Castelo Branco. O equilíbrio de poder entre essas duas redes familiares estava preservado até a Revolução do Porto. Os eventos subsequentes acirraram a luta, na qual o projeto de adesão à independência fez parte de ações internas para a ampliação do controle político local.

As primeiras manifestações contrárias às Cortes de Lisboa defendiam que houvesse duas Constituições separadas: uma para Portugal, e outra para o Brasil. Porém, não se questionava a monarquia portuguesa, nem se falava em independência. A primeira manifestação a questionar o domínio português ocorreu em maio de 1821, e buscou depor o governador Elias José Ribeiro de Carvalho e instalar uma Junta de Governo. O governador, vendo a dificuldade em se manter no poder, pede demissão e é convocada uma eleição para a Junta.

As juntas eleitas em outubro de 1821 e abril de 1822, tiveram predomínio da rede familiar do centro-sul. No decorrer do ano de 1822 as ideias de independência ganham força, vindas do norte da província (Parnaíba e Campo Maior). A propaganda era espalhada por meio de pasquins e eclodiam protestos contra medidas decretadas por Lisboa. Com a chegada das notícias vindas do Rio de Janeiro, abria-se o caminho para a rede familiar do norte de controlar a província por meio da adesão ao projeto independentista. Em 19 de outubro, a vila de Parnaíba reconhece a independência do Brasil, mas na condição de Reino Unido a Portugal.

A notícia chega à capital da província, a vila de Oeiras. A Junta de Governo da Província ordena uma expedição militar, liderada por João José da Cunha Fidié, para restabelecer a ordem. Em 18 de novembro, ele entra na vila, que se encontrava deserta, e obriga a Câmara local a jurar obediência a Portugal. Na capital, porém, começam a aparecer pasquins conspirando a derrubada da Junta de Governo e o apoio à independência. No início de 1823, o clima era de apoio à separação de Portugal. Em 24 de janeiro, aproveitando-se da ausência das tropas, que seguiam em Parnaíba, um levante liderado por Manoel de Sousa Martins depõe a Junta sem resistência e o Piauí adere ao Império do Brasil.

Fidié, assim que sabe do movimento, tenta voltar a Oeiras. No dia 13 de março as forças leais a Portugal e as defensoras da independência se encontram nas proximidades da vila de Campo Maior. Ali, ocorre a Batalha do Jenipapo, o maior conflito da independência brasileira. Dois mil sertanejos, liderados pelo capitão cearense Luís Rodrigues Chaves, mal armados, resistem às forças portuguesas bem treinadas e municiadas. Os portugueses vencem a batalha, porém perdem a maioria da sua bagagem de guerra. Esse fato impediu novas ações portuguesas. Fidié e suas tropas se retiram do Piauí e vão para a vila de Caxias, no Maranhão, ainda leal a Portugal. Em seu encalço, vão as tropas piauienses e cearenses. A independência estava consolidada no Piauí. Mas a um preço alto: as fazendas de gado, base da economia provincial, estavam arruinadas.

Maranhão


Durante a maior parte do período colonial, o que é atualmente o estado do Maranhão permaneceu pouco conectado ao Império Português. Essa situação mudou na segunda metade do século XVIII. A política portuguesa incentivou as grandes lavouras de algodão e de arroz no vale do Rio Itapecuru, concedendo cartas de sesmarias. Por outro lado, havia uma frente de povoamento no sul, na região de Pastos Bons, que se dedicou à pecuária e estava conectada com outras regiões, como o Piauí e a Bahia. A maior parte do território era inexplorada pelo homem branco, sendo dominada pelos povos indígenas. Na época da independência, calculava-se uma população de cerca de 150 mil habitantes, destes, 55% eram escravizados. Haviam quatorze vilas, e a capital era São Luís.

Os acontecimentos da independência no Maranhão possuem profunda conexão com os do Piauí. A posição inicial da província era de adesão às Cortes de Lisboa, não havendo, ao que se consta, partidários da adesão ao projeto liderado por Dom Pedro. As ligações com Lisboa eram muito mais profundas do que as com o Rio de Janeiro, uma situação que era vivida também pelo Pará. Vindos do Ceará e do Piauí, cruzando o Rio Parnaíba após a Batalha do Jenipapo (março de 1823), as tropas brasileiras avançaram pelo interior da província. Em junho, José Felix Pereira de Burgos, comandante de armas na região do Vale do Itapecuru, aderiu ao projeto independentista. Tal fato representou a queda da última barreira que separava os “brasileiros” da capital.

Quase ao mesmo tempo, chegava a São Luís uma esquadra comandada pelo almirante Thomas Cochrane, enviada por Dom Pedro. Pressionada por terra e por mar, em 28 de julho de 1823, a Junta de Governo do Maranhão proclama a adesão ao Império do Brasil. A vila de Caxias foi a última a se render, após longo cerco, em 31 de julho. 

Grão-Pará

 

O Pará, ou Grão-Pará, à época da independência abrangia quase toda a atual Região Norte do Brasil, com exceção do Acre e do Tocantins. Calcula-se uma população de cerca de 146 mil habitantes, destes, cerca de 29 mil escravizados, a grande maioria deles provavelmente de origem indígena. A economia baseava-se nas grandes plantações de açúcar, cacau e arroz na região de Belém e do Baixo Tocantins. Pelo interior, havia cerca de quarenta vilas oriundas de aldeamentos indígenas.

A província era extremamente dependente do Maranhão, dependendo de repasses financeiros para fechar suas contas. Outro fator que o ligava ao Maranhão era uma particularidade natural: as correntes marítimas tornavam as viagens do Pará e do Maranhão mais rápidas para Lisboa que para o Rio de Janeiro. Dessa forma, a chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 trouxe desvantagens políticas e econômicas, pois dificultava o acesso às instituições reais.

O Pará foi o primeiro território a jurar as bases da Constituição portuguesa, em 1º de janeiro de 1821, por meio de um levante militar que instaurou uma Junta de Governo. A partir desse momento, o principal conflito estará na postura mais radical ou mais conservadora sobre as mudanças que deveriam acontecer. As tensões serão ampliadas com a chegada do governador de armas José Maria de Moura, que passou a perseguir quem falasse contra o governo. O principal alvo foi o jornal “O Paraense”, dirigido pelo cônego Batista Campos. Em março de 1823, a Junta de Governo é dissolvida por Moura e o jornal é fechado. A notícia da dissolução das Cortes de Lisboa, em maio, caiu como uma bomba em Belém e tornou mais complicada a perspectiva de um governo ligado a Portugal.

Se acreditava que uma força militar externa seria decisiva para desequilibrar a posição da província a favor da união com Portugal ou com o Brasil. Houve insistentes pedidos para Portugal para o envio de uma força militar. Porém, quem acabou enviando foi o Rio de Janeiro. Em 10 de agosto de 1823, chegou a Belém o barco do tenente britânico John Pascoe Grenfell, que tentou convencer o governo paraense de que ele antecipava uma poderosa esquadra comandada pelo almirante Thomas Cochrane, assim como trazia notícias da adesão à independência por parte do Maranhão, Goiás, Mato Grosso e Bahia. No dia 15, o Pará adere ao Império do Brasil.

Em meados de outubro, um levante militar exige demissões de membros do governo e de funcionários públicos acusados de serem contra a causa da independência. Greenfell reprimiu o levante, com cinco fuzilamentos sumários e mais de 250 mortos na presiganga, um navio-prisão. Isso gerou uma série de tensões e de levantes armados no interior, que só foram reprimidos em 1825. Aí pode-se dizer que a adesão do Pará ao governo do Rio de Janeiro era fato consumado. Porém, dez anos depois, viria uma grande revolta popular: a Cabanagem.

Rio Negro

 

Os impactos da Revolução do Porto no extremo norte da América Portuguesa até hoje são motivo de controvérsia entre historiadores.

A ocupação portuguesa do que chamamos atualmente de estado do Amazonas se iniciou na metade do século XVIII. Vilas foram sendo fundadas, como Manaus, Borba, Tefé e Barcelos. Com o tempo, se estabeleceu a chamada Capitania do Rio Negro, subordinada ao Estado do Grão-Pará e Maranhão, reunindo essas vilas.

Porém, os grandes empreendimentos de exploração econômica, povoação e dilatação da fronteira portuguesa pelo vale amazônico foram planejados e conduzidos pelos grupos sediados em Belém. Os habitantes locais não eram consultados nos planos de exploração de riquezas vegetais ou minerais. A realidade era de altos impostos, que recaíam sobre os habitantes locais. O sentimento de insatisfação era geral na sociedade do que era então conhecido como Capitania do Rio Negro, e o desejo de emancipação em relação ao Grão-Pará crescia.

As Cortes de Lisboa, resultado da Revolução do Porto, elevaram todas as capitanias, principais e subordinadas, ao estatuto de províncias, atendendo à demanda das elites locais. Nesse processo, é eleito José Cavalcante de Albuquerque como deputado às Cortes, e instituída uma Junta de Governo. A província adere à independência brasileira em 9 de novembro de 1823, por meio de ato na Câmara de Barcelos, então sede da província.

No entanto, na convocatória para a eleição de deputados para a Assembleia Constituinte, o Rio Negro não é citado como província, e não aparece assim na Constituição de 1824. Em 1825, a Junta de Governo é dissolvida pelo governo do Pará e o Rio Negro torna-se uma das três comarcas paraenses, agora com sede na Vila da Barra do Rio Negro (Manaus). Somente em 1850, o Rio Negro tornou-se província, com o nome de Amazonas.

Mato Grosso

 

Os embates políticos na província do Mato Grosso relacionados à independência do Brasil tiveram como principal foco de tensão a disputa pela capital entre as cidades de Cuiabá e de Vila Bela da Santíssima Trindade (também chamada de Mato Grosso). A primeira era o principal núcleo comercial da província e o mais antigo estabelecimento colonial, com relações com Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro. Já Vila Bela havia sido construída para ser capital, no contexto do Tratado de Madri, que garantia este território a Portugal, e tinha relações com o Grão-Pará, por meio dos rios da Amazônia, e com províncias espanholas no que é atualmente a Bolívia.

Na primeira década do século XIX, foi liberado o povoamento da região do Alto Rio Paraguai, o que provocou um pequeno rush minerador, com a exploração de diamantes, resultando na criação da vila de Diamantino. Boa parte dos povoadores vieram de Vila Bela, despovoando-a. Os governadores passaram a residir em Cuiabá, o que fortaleceu esta localidade. Cuiabá, na prática, era a capital, embora legalmente não fosse.

Quando chegam as notícias da Revolução do Porto, a capitania passava por uma estagnação econômica, com o esgotamento da mineração, dificuldades de ligação com o restante da América Portuguesa, e tinha cerca de 30 mil habitantes, destes, cerca de 2/3 na região de Cuiabá.

Em junho de 1821, as bases da Constituição são juradas, de forma tranquila. Em 20 de agosto, o governador Francisco de Paula Maggesi Tavares de Carvalho é deposto. É eleita uma Junta de Governo Provisória, conforme previsto pelas Cortes de Lisboa, mas essa eleição é feita somente em Cuiabá, sem representantes de Vila Bela. A Junta é reconhecida em Cuiabá, mas não em Vila Bela, que forma outro governo no dia 11 de setembro. Assim, de setembro de 1821 a agosto de 1823, existiram duas Juntas de Governo que diziam governar todo o Mato Grosso, e pediam sua legitimidade junto às Cortes de Lisboa e, depois, ao governo do Rio de Janeiro.

Nesse interim, o comandante militar de Vila Maria, atual município de Cáceres, João Pereira Leite, tomou o partido de Cuiabá. Vila Maria produzia alimentos e armazenava armas e munições para as tropas da fronteira. Esse acontecimento levou ao isolamento de Vila Bela em relação ao centro-sul do Brasil, restando apenas o caminho fluvial amazônico como alternativa. Apesar de repetidas ameaças de um conflito armado, este não ocorreu. Até o final de 1822, o governo do Rio de Janeiro parece não saber da existência de uma Junta em Vila Bela.

Com a independência brasileira, Cuiabá presta juramento a Dom Pedro como imperador em 22 de janeiro de 1823. No início de 1823, chegam à província ordens da Corte para que fosse eleito um novo governo, incluindo todas as localidades, que deveria tomar posse em Vila Bela. Esse fato levou a Junta de Vila Bela a aderir à independência em março de 1823. O governo unificado toma posse em agosto de 1823, em Vila Bela. Em abril de 1825, toma a decisão de incorporar a província boliviana de Chiquitos ao Império Brasileiro. A decisão, desautorizada por Dom Pedro, que temia uma guerra com a Bolívia, indispôs o imperador com o governo, e influenciou a decisão do primeiro presidente da província a tomar posse em Cuiabá. A questão da capital somente seria resolvida em 1835, a favor da atual capital mato-grossense.

Goiás

 

Na época da independência, calcula-se que a província de Goiás tinha cerca de 63 mil habitantes, sendo pelo menos 26 mil escravizados. Vivia em constantes dificuldades financeiras desde o fim do ciclo do ouro, na metade do século XVIII. Tinha como capital a cidade de Goiás, anteriormente chamada de Vila Boa. Era dividida em duas comarcas: a comarca de Goiás e a comarca do Norte (ou de São João de Duas Barras), que, grosso modo, seria o atual estado do Tocantins. Essa divisão traz a particularidade da independência brasileira nesta região do país.

Mesmo sendo um dos territórios de mais difícil acesso da América Portuguesa as notícias da Revolução do Porto e das Cortes ali chegaram. Em 26 de abril de 1821, foram juradas as bases da Constituição. Em agosto, foram eleitos os dois deputados que a província tinha direito às Cortes. Uma semana após a eleição, em 14 de agosto, houve a tentativa de depor o capitão-general Manoel Inácio de Sampaio. Essa tentativa foi controlada, e seus envolvidos foram expulsos da capital da província.

Dias depois, em 14 de setembro, instalou-se um governo provisório em Cavalcante, que redundou no Movimento Autonomista da Comarca do Norte. Este defendia a separação da Comarca do Norte do restante da província de Goiás. Os insurgentes estimulavam o ressentimento dos habitantes do norte contra os do sul goiano, devido a razões fiscais, prometiam abolição dos tributos sobre mercadorias, e acenavam com o aumento do salário dos militares. Porém, o movimento não era unido, e os conflitos internos logo apareceram. Houve um pedido por parte do deputado Teotonio Segurado, líder do movimento autonomista, às Cortes de Lisboa, para a separação das duas comarcas e a criação de uma nova província, mas que não chegou a ser analisado

Enquanto isso, na cidade de Goiás, a chapa estava quente. Se constituiu uma Junta de Governo, conforme previam as Cortes de Lisboa, mas ninguém parava no cargo de presidente. No dia 1º de abril de 1822, a Junta manifestou apoio à decisão de Dom Pedro de permanecer no Brasil (Dia do Fico) e saudava a união do Reino Unido Português. Com o tempo, as dissensões foram sendo solucionadas e a câmara de vereadores de Goiás passou a defender a causa da independência brasileira.

Em 15 de novembro de 1822, a Junta de Governo de Goiás envia Luiz Gonzaga de Camargo Fleury para a Comarca do Norte, para promover a adesão à independência e reunificar a província. Os conflitos internos entre os insurgentes, sobretudo no que tange à escolha da capital, facilitaram o trabalho de Fleury. Em abril de 1823, ele informa que seu trabalho havia sido concluído e que a província estava reunificada.

No mesmo período, Dom Pedro envia Raimundo José da Cunha Mattos, para garantir a adesão de Goiás à independência. Havia um temor do governo imperial de que o norte goiano se unisse com suas províncias vizinhas, como Pará, Maranhão, Piauí e Bahia, que se mantinham fieis à Lisboa. Porém, os líderes do governo do norte já haviam declarado apoio ao Brasil. No entanto, queriam que Dom Pedro separasse o Norte do Sul.

Mas o imperador não atendeu a esse desejo. Em 21 de junho de 1823, ele desautoriza o governo provisório do norte goiano. Dessa forma, Goiás fica unido, mas os ressentimentos seguiram por muitos anos. O sonho dos nortistas só se concretizou em 1988, com a criação do estado de Tocantins.

Rio Grande do Sul

 

Na época da independência, o Rio Grande do Sul contava com cerca de cem mil habitantes, a maioria deles dedicados às tarefas rurais. Destacava-se a atividade pecuária, sobretudo com as charqueadas na região sul da província, com utilização intensa de mão de obra escravizada.

Por ser uma região de fronteira com os domínios espanhóis, a circulação de ideias vindas do estrangeiro era forte. Ideais de independência, de república, de igualdade, vinham sobretudo da Banda Oriental (atual Uruguai). Isso causava um grande temor nas autoridades portuguesas, que procuravam apreender os materiais impressos que continham tais ideias e destruí-los.

A eclosão da Revolução do Porto encontrou no Rio Grande do Sul uma grande simpatia, entendendo a ideia de Constituição como capaz de regenerar a política. Em abril de 1821, motins militares estouraram em Rio Grande e Porto Alegre, solicitando o juramento da Constituição que seria elaborada em Lisboa. Os tumultos foram violentos, com prisão de oficiais administrativos que foram obrigados a fazer o juramento. Além disso, os motins reivindicam o pagamento de salários atrasados, o que era bastante comum na região.

Ainda em 1821, João Carlos de Oliveira Saldanha e Daun foi nomeado governador-geral da província. A sua nomeação foi questionada por boa parte da elite local, pois não havia sido feita pelas Cortes, mas sim pelo rei D. João VI. Ao se ausentar da capital para ir às Missões, em outubro, uma nova insurreição procurou depô-lo e estabelecer um novo governo. O movimento era liderado por Antero José Ferreira de Brito, estancieiro que havia tido grandes ganhos com as guerras na Banda Oriental na década de 1810. O movimento fracassou pela atuação de oficiais administrativos e de diversas lideranças. Brito foi preso, juntamente com seu protetor, o tenente-general Manuel Marques de Souza.

Em 1822, é estabelecida uma Junta de Governo Provisória, com Saldanha e Daun como presidente. No entanto, logo ele entra em atrito com os demais membros, que o acusam de se manter fiel a Portugal e ao absolutismo, e ser contra a Constituição. Conforme os acontecimentos ocorriam no Rio de Janeiro, a situação tornou-se insustentável para ele. Então, é enviado ao Rio de Janeiro sob escolta militar, quase como conspirador. Sem sua presença, o Rio Grande do Sul aclama Pedro I como imperador e concretiza sua separação do Império Português, passando a fazer parte do Brasil.

Província Cisplatina

 

No processo de expansão do Império Português e de combate aos ideais republicanos na América, Portugal invade a Banda Oriental (atual República Oriental do Uruguai) em 1816, com o destacamento militar dos Voluntários Reais, liderado por Carlos Frederico Lecor. Rapidamente se formou ao redor de Lecor um grupo de orientais que ficou conhecido como “Clube do Barão”, no qual se incluíam Lucas José Obes, Tomás García de Zuñiga, Nicolás Herrera e Frutuoso Rivera, que ocuparam os principais cargos administrativos e militares.

Em julho de 1821, no Congresso Cisplatino, é oficializada a anexação da região ao Império como Província Cisplatina, embora garantindo uma série de direitos a seus habitantes. Ainda antes, em março, um setor dos Voluntários Reais, destacamento militar que ocupou a região, exigiu de Lecor que jurasse a Constituição a ser elaborada pelas Cortes de Lisboa. Esse juramento foi realizado durante o Congresso Cisplatino.

No ano de 1822, as notícias vindas das Cortes de Lisboa causaram grande tensão na Província Cisplatina. A sociedade local se dividiu entre partidários da manutenção no Império Português e partidários da independência do Brasil, muito baseados nos vínculos econômicos que tinham.

Em 11 de setembro, Lecor e as forças militares que apoiavam a independência brasileira, deixaram Montevidéu e montaram um cerco à cidade. Em 12 de outubro, na vila de San José, aclamam Pedro I como imperador, incorporando o território ao Brasil. Em Montevidéu, Álvaro da Costa, que assumiu o comando dos Voluntários Reais, liderava a resistência ao projeto brasileiro. Tinha apoio do Cabildo local (espécie de Câmara de Vereadores, com os membros da elite local), que desejava restaurar as suas antigas relações com seus vizinhos, como Buenos Aires.

Após mais de um ano de cerco, em 18 de novembro de 1823, Álvaro da Costa assina a rendição dos Voluntários Reais. Em 8 de março de 1824, com a saída das tropas portuguesas, a Cisplatina adere formalmente ao Império do Brasil. Os membros do Cabildo que apoiavam os Voluntários Reais tiveram que deixar Montevidéu e ir para Buenos Aires. A Província Cisplatina passou a ser parte do Império do Brasil, mas por pouco tempo: em 1825, nova guerra estoura e esta com resultado desfavorável ao Brasil.

1.8.24

Imperialismo

 



Carta de L´Afrique, Adrian Brué, 1820.


Joseph Conrad, escritor britânico, escreveu sua principal obra em 1899. "No Coração das Trevas" denunciava as atrocidades da colonização belga no Congo. A obra é inspirada em sua viagem ao Congo, como empregado de uma companhia de comércio belga. A seguir, é apresentado um trecho desta obra que aborda a questão do que os europeus conheciam sobre o continente africano.


“É verdade que àquela altura não era mais um espaço vazio. Tinha sido preenchido desde minha infância com rios, lagos e nomes. Havia deixado de ser um espaço em branco de delicioso mistério, uma mancha branca para um menino sonhar gloriosamente. Tinha se transformado num lugar tomado pelas trevas”.

CONRAD, Joseph. No coração das trevas. SP: Cia. das Letras, 2019, p.22. 


28.7.24

Imperialismo

O colonialismo exigia o máximo de coerção, tanto para recrutar a mão de obra local como para mantê-la nos locais de produção. Nos primeiros tempos da conquista europeia, por vezes o próprio capital privado encarregou-se da coerção e de fazer reinar a ordem, por meio das companhias coloniais dotadas de privilégios, cartas e concessões.


A obrigatoriedade do imposto per capita, a ser pago em dinheiro, fazia os africanos terem que, ou buscar trabalho remunerado, ou produzir culturas destinadas ao comércio. O não pagamento dos impostos trazia como punição a prestação de serviços públicos de forma forçada. Os salários eram mantidos em um nível extremamente baixo. Em geral, eram trabalhados por empreitadas ou por períodos sazonais. Em alguns lugares, a ausência de moedas fez com que esse imposto fosse pago em trabalho, nas minas, nas florestas e nas ferrovias.

A ação combinada de capital europeu e mão de obra africana trabalhando sob coação produziu consideráveis excedentes de produtos para o consumo europeu. Gêneros agrícolas e minerais foram exportados e os lucros enviados para a Europa.

A mão de obra era arranjada a expensas das economias aldeãs ou locais, outrora autônomas. Assim, desorganizou-se a economia agrícola tradicional, impondo um ritmo muito mais acelerado de trabalho, causando escassez de alimentos, fome e mortes. O caso mais assustador foi o do Congo Belga, atual República Democrática do Congo. Calcula-se uma população em 1885 de 25 milhões de habitantes. Em 1925, essa população era de 10 milhões.



Texto baseado no capítulo de: RODNEY, Walter. A economia colonial. In: UNESCO. História Geral da África. V. 7. São Paulo: Ática, 1991. (coordenador do volume: Albert Adu Boahen)

17.7.24

Imperialismo

Podemos elencar quatro justificativas ideológicas para o Imperialismo:

c) Racistas: existiam diferenças naturais entre as raças; era lógico que a superior (branca) dominasse a inferior (negra).

 

d) Social-darwinista: princípio da sobrevivência das espécies; dominação dos mais fracos (negros) pelos mais fortes (brancos) como uma lei da natureza; eliminação das sociedades mais fracas.

Imperialismo

Podemos elencar quatro justificativas ideológicas para o Imperialismo:

a) Filantropia: dominação para levar a civilização e eliminar os costumes bárbaros

 

O fardo do homem branco

b) Pragmático-utilitarista: dominação traria benefícios para a metrópole e para as populações sujeitas; necessidade de abertura de mercados e de conquista de fontes de matérias-primas;


“Assisti ontem a uma reunião de desempregados em Londres, e, depois de ter ouvido os discursos virulentos, que não eram nem mais nem menos do que um grito pedindo pão, voltei para casa, mais do que nunca convencido da importância do imperialismo [...] o que me preocupa, acima de tudo, é a solução do problema social. Quero dizer com isto que, se desejam salvar os 40 milhões de habitantes do Reino Unido de uma criminosa guerra civil, os responsáveis pela política colonial devem abrir novos territórios ao excedente da população e criar novos mercados para os produtos das minas e das fábricas. Sempre disse que o Império Britânico era uma questão de pão com manteiga. Se queremos evitar a guerra civil temos de ser imperialistas”. (Cecil Rhodes)

O fardo do homem branco

O poema “O fardo do Homem Branco” (The white man’s burden), do poeta britânico Rudyard Kipling, de 1899, é considerado um símbolo do imperialismo europeu do final do século XIX e mostra a visão que se tinha sobre o papel dos europeus e sobre os povos africanos. Leia alguns trechos do poema:

 

Tomai o fardo do Homem Branco

Envia teus melhores filhos

Vão, condenem teus filhos ao exílio

Para atender as necessidades de seus cativos;

Para servir, com pesados chicotes

O povo agitador e selvagem

Seus novos-cativos, povos agressivos,

Metade demônio, metade criança.

[...]  

Tomai o fardo do Homem Branco

As guerras selvagens pela paz –

Encha a boca dos famintos,

E proclama o fim das doenças

E quando seu objetivo estiver próximo

(O fim que todos procuram)

Olha a indolência e loucura pagã

Destruindo todas suas esperanças [...]


Imperialismo

A resistência ao invasor europeu se deu de duas formas:

 

Sei que os brancos querem me matar para tomar o meu país, e, ainda assim, você insiste em que eles me ajudarão a organizá-lo. Por mim, acho que meu país está muito bem como está. Não preciso deles. Sei o que falta e o que desejo: tenho meus próprios mercadores; considere-se feliz por não mandar cortar-lhe a cabeça. Parta agora mesmo e, principalmente, não volte nunca mais.

Declaração de Wogobo, o Moro Naba (rei dos Mossi) ao capitão Destenave, em 1895


Tal como em tempos anteriores, os soberanos puseram exércitos em campo para combater os invasores, que por acaso eram europeus e manter a paz por meios diplomáticos e comerciais. A isto chamou-se “resistência primária”. Foi bastante corrente em todas as regiões do continente ameaçado. A resistência primária era uma reação direta, face a face com os invasores.


Os inimigos vêm agora se apoderar de nosso país e mudar nossa religião [...] Nossos inimigos começaram a avançar abrindo caminho na terra como toupeiras. Com a ajuda de Deus, não lhes entregarei meu país [...] Hoje, que os fortes me emprestem sua força e os fracos me ajudem com suas orações

Menelik da Etiópia, ordem de mobilização contra a campanha dos italianos contra seu país em 1895.

 

Depois, podemos elencar formas de resistência secundária. Em alguns Estados, houve movimentos de preservação das tradições e de restauração do passado, como foram os casos da Etiópia e dos maji maji, no Quênia.

 

“Estou vendo como os brancos penetram cada vez mais na África; em todas as partes do meu país as companhias estão em ação (...) É preciso que meu país também adote estas reformas, e estou plenamente disposto a propiciá-las (...) Também gostaria de ver boas estradas e boas ferrovias (...). Mas meus antepassados eram makombe e makombe quero continuar a ser”

Makombe Hanga, chefe dos Barué (Moçambique central), em 1895.


Outra forma de resistência secundária foi que, alguns dos soberanos, percebendo a força dos europeus, decidem que, para resistir, era necessário adotar muito do que o invasor trazia. Podemos qualifica-los como movimentos de tendência ocidentalizante.

Imperialismo

 

Colônia propriamente dita – Nas colônias propriamente ditas, que também se podem classificar de colônias de administração direta, a soberania da Metrópole encontra-se estabelecida dum modo direto e sem restrições algumas. Estas colônias foram, em regra, anexadas por meio de conquistas e fez-se nelas um estabelecimento completo de administração, com todas as consequências de direito e de fato da soberania do país ocupante. Nestas colônias, as autoridades locais são privadas de todas as suas atribuições. [...]

Protetorados – até os tempos modernos, o protetorado era uma combinação política em que um Estado fraco se colocava sob a defesa de um Estado mais poderoso, dando-lhe em compensação certas vantagens, contudo, sem se privar do seu governo. [...] Tem, porém, elementos constitutivos essenciais. Esses elementos são os seguintes:

a) Continuação do funcionamento das autoridades indígenas [locais] e conservação das instituições e dos costumes locais.

b) O Estado protetor fica encarregado das relações internacionais referentes ao Estado protegido.

c) Existência de um residente político representante do Estado protetor, junto ao Estado protegido;

d) O Estado protetor defende e garante o Estado protegido relativamente às nações estrangeiras.

 

MELLO, Martinho Nobre de. Administração Colonial. Lisboa: Tipografia Universal, 1917, p.34-38.

Imperialismo


Os representantes europeus reunidos em Berlim definiram as regras de legitimação para as futuras anexações nas costas do continente africano. A partir daquele momento, para que novas possessões ou protetorados fossem considerados efetivos, seria necessário o envio de notificação aos demais países signatários da ata, para viabilizar possíveis reivindicações.


Ponto que vale ser destacado sobre as futuras anexações é a delimitação espacial feita pelos representantes europeus. O artigo da ata referente a elas trata apenas das regiões costeiras do continente africano. Isso indica que as deliberações sobre futuras ocupações não teriam validade para todo o continente, deixando de fora as regiões do interior. Esse fato não só refuta as interpretações que atribuem à Conferência de Berlim o papel de partilhar o continente africano, mas também põe em perspectiva as análises segundo as quais esse encontro teria criado as bases para sua futura divisão, pois os critérios de tomada de posse definidos em Berlim não valeriam para todo o continente.

Retirado de: https://cienciahoje.org.br/artigo/conferencia-de-berlim-e-o-mito-da-partilha-da-africa/ Acesso em 16-07-2024.




Imperialismo

O fator que definitivamente fez pender o equilíbrio de forças na África, nos anos 1870, foi a qualidade e a quantidade das armas de fogo. Quem controlasse as armas e as munições, tinha vantagem.

A situação em relação ao continente tenderia a permanecer incerta até que os europeus buscassem separadamente satisfazer os seus interesses nacionais, e os chefes de Estado africanos pudessem jogar as potências umas contra as outras. Portanto, era essencial submeter a partilha da África a certas regras baseadas em acordos internacionais e, muito especialmente, limitar o fornecimento de armas e munições aos africanos.

Assim, o primeiro-ministro alemão, Otto von Bismarck, aproveitando-se das rivalidades intra-europeias, sobretudo entre britânicos e franceses, e buscando aumentar a presença alemã no continente, convocou uma Conferência Internacional em Berlim, no final de 1884 e início de 1885.

Alemanha e França, de forma conjunta, decidiram quais seriam os três objetivos dos debates na Conferência: que iriam nortear os debates em Berlim: a liberdade de comércio na bacia e no estuário do rio Congo; a liberdade de navegação nos rios Congo e Níger; e as formalidades que deveriam ser cumpridas para que novas ocupações na costa da África fossem consideradas efetivas.


Baseado em: SILVÉRIO, Válter Roberto. Síntese da Coleção História Geral da África. V.2. Brasília: MEC/Unesco/UFSCar, 2013, p.336-337.

21.4.24

Guerra dos Farrapos

 

A Carta de Porongos é uma correspondência que teria sido enviada pelo então Barão de Caxias a Chico Pedro (Francisco Pedro de Abreu, o Moringue), e que conteria evidências de um acordo prévio entre o Barão de Caxias (comandante do Exército imperial no conflito) e o líder farroupilha David Canabarro. O objetivo seria favorecer a vitória imperial no combate do Cerro de Porongos, eliminando o corpo de Lanceiros Negros. Em determinado trecho, Caxias informaria a Chico Pedro o local, o dia e o horário para o ataque, garantindo-lhe que a infantaria farroupilha estaria desarmada pelos seus líderes.

 

Cópia. Reservadíssimo.

llmo Sr.

Regule V. Sa. suas marchas de maneira que no dia 14 às 2 horas da madrugada possa atacar a força ao mando de Canabarro, que estará nesse dia no cerro dos Porongos. Não se descuide de mandar bombear o lugar do acampamento de dia, devendo ficar bem certo de que ele há de passar a noite nesse mesmo acampamento. Suas marchas devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o lado oposto. No conflito poupe o sangue brasileiro quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe o que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. [...] Não receie da infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um Ministro e do seu General-em-chefe para entregar o cartuchame sobre [sic] pretexto de desconfiança dela. Se Canabarro ou Lucas, que são os únicos que sabem de tudo, forem prisioneiros, deve dar-lhes escapula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos, pois V.Sa. bem deve conhecer a gravidade deste secreto negócio que nos levará em poucos dias ao fim da revolta desta Província. [...]

Se por fatalidade não puder alcançar o lugar que lhe indico no dia 14, às horas marcadas, deverá diferir o ataque para o dia 15, às mesmas horas, ficando bem certo de que nesse caso o acampamento estará mudado um quarto de légua mais ou menos por essas imediações em que estiverem no dia 14. [...] Além de tudo quando lhe digo nesta ocasião, já V.Sa. deverá estar bem ao fato das coisas pelo meu ofício dia 28 de outubro e por isso julgo que o bote será aproveitado desta vez. Todo o segredo é indispensável nesta ocasião e eu confio no seu zelo e discernimento que não abusará deste importante segredo. Deus vos guarde a V.Sa.

Quartel-general da presidência e do comando-em-chefe do Exército em marcha nas imediações de Bagé, 9 de novembro de 1844.

Barão de Caxias.

 

Fonte: Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, volume 7, Porto Alegre: AHRGS,1983, Coleção Alfredo Varela, documento CV3730 pp. 30-31.

 

Glossário:

Cartuchame = munições de armas.

Escapula = fuga

Onça = unidade de medida antiga equivalente a cerca de 20 g.

Guerra dos Farrapos

 

A Revolução Farroupilha (1835-1845), revolta de caráter republicano contra o governo imperial do Brasil, centralizador e escravocrata, é marcada por controvérsias; tanto à época, entre os líderes farrapos, quanto agora, entre historiadores. Uma das questões menos estudadas e conhecidas da Revolução Farroupilha, que ainda hoje se constitui em um tabu na historiografia do Rio Grande do Sul, é a enorme contribuição dos negros nessa luta e o destacado papel que nela tiveram os célebres Lanceiros Negros, grupamento militar formado por escravos que lutavam em troca da liberdade.

Apesar de os revoltosos compartilharem um mesmo ideal principal - um modelo de Estado com maior autonomia às províncias - os líderes divergiam em vários pontos. Entre os mais polêmicos estava a sua posição frente à escravidão. A resposta à pergunta “os farrapos eram ou não abolicionistas?” não pode ser respondida com um simples “sim” ou “não”. Ainda que boa parte de seus líderes fosse favorável à abolição da escravidão, as premências da guerra não permitiram a sua aprovação. As lideranças farroupilhas tiveram posições conflitantes frente à questão servil. De um lado, a chamada “maioria” – formada por Bento Gonçalves, Domingos José de Almeida, Mariano de Mattos, Antônio Souza Neto e outros – assumiu uma postura claramente abolicionista. De outro, a “minoria” – Vicente da Fontoura, David Canabarro e outros chefes farrapos – aceitou a libertação dos escravos que se engajassem na luta contra o império, mas opôs-se tenazmente a qualquer tentativa de libertação geral dos escravos. A resultante dessa contradição foi a não inclusão no projeto de Constituição da República Rio-Grandense da liberdade para os escravos e a Batalha de Porongos, em 14 de novembro de 1844, quando os Lanceiros Negros foram massacrados em um episódio muito controvertido, envolvendo suspeitas de traição e cartas cuja autenticidade ainda é questionada, que mudaria os rumos da revolução.

JUSTINO, Guilherme. Os escravos que lutaram em troca da liberdade. Jornal da UFRGS, abril de 2008. Disponível em: https://www.ufrgs.br/ensinodareportagem/cidades/lanceirosnegros.html Acesso em 21-04-2024

Adendo 1: Bento Gonçalves jamais libertou os seus escravizados; em seu testamento, feito após a guerra, transferia seus escravizados a seus herdeiros, não os libertando.

Adendo 2: Escravizados dos imperiais ou eram colocados nas tropas farroupilhas ou eram destinados ao Tesouro da República, para serem alugados.

Guerra dos Farrapos


Conforme Tristão de Alencar Araripe, podemos elencar três fases na guerra:

1) de 20 de setembro de 1835 (conquista de Porto Alegre) a 11 de setembro de 1836 (proclamação da República) – predomínio dos liberais monarquistas, que pretendiam a descentralização administrativa provincial, com soberania da Assembleia Legislativa, procurando evitar a ditadura do Executivo. Não eram totalmente separatistas. 

A atitude dúbia do regente Feijó, abandonando os farroupilhas rio-grandenses, permitiu que o grupo republicano se utilizando da palavra mágica federação modificasse os objetivos revolucionários.

2) rebelião, de 1836 (proclamação da República) a 1840 – separar o RS da comunhão brasileira, constituindo uma república independente e soberana, pois esta forma de governo se coadunava com pequenas nações. Em 1839, ocorre a proclamação da República Juliana, em Laguna, liderada por Giuseppe Garibaldi, comandante da Marinha Rio-Grandense. Este fato leva a uma reação mais violenta do Império do Brasil, que coloca a República em fase defensiva.

Um ponto significativo que influenciou na aventura de Garibaldi em Santa Catarina foi a ausência de saída para o mar por parte dos farroupilhas. Rio Grande jamais foi conquistada pelos farroupilhas, e o apoio à causa farroupilha era pequeno, tendo em vista os laços comerciais que uniam à cidade ao Rio de Janeiro; Porto Alegre somente foi conquistada no início da guerra; retomada em 1836, jamais foi reconquistada pelos rebeldes, mesmo sofrendo dois pesados cercos pelo lago Guaíba. Ou seja, os dois principais portos da província não estavam nas mãos da República, o que os obrigou a buscar uma saída para o mar por Santa Catarina. O controle da República Rio-Grandense foi forte na região do pampa (metade sul da província); lembrando que o norte da província ainda era território indígena.

3) negociações de paz com o Império do Brasil e retorno à comunhão brasileira – de 1840 a 1845 - já desde 1837, por parte de John Greenfell, comandante da esquadra naval imperial de firmar um armistício com os rebeldes. Mas esta fase deve ser situada a partir do fim da aventura em SC, em 1840. Fase concluída com o Tratado de Ponche Verde, em 1º de março de 1845.

Baseado em: FLORES, Moacyr. Modelo político dos farrapos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1978, p.117-133.

Guerra dos Farrapos

 

Uma série de questões antecederam a Guerra dos Farrapos. Boa parte delas foi detonada pela independência do Uruguai, após a Guerra da Cisplatina (1825-1828).

Com o acordo para a independência uruguaia, foram estabelecidos impostos baixos para a importação do charque uruguaio para o Brasil. No entanto, estes impostos eram menores que os pagos internamente pelos charqueadores do Rio Grande do Sul. Os estancieiros e charqueadores buscavam a reversão disso.

Outro ponto em que a independência do Uruguai afetou a elite sul-rio-grandense foi na questão dos tributos. Os estancieiros gaúchos tinham terras dos dois lados da fronteira. Engordavam o gado do outro lado, que tinha melhores pastagens, e o vendiam aqui. Agora, para passar pela fronteira, precisavam pagar imposto, o que os enfureceu.

Os impostos pagos pela província não voltavam para suas necessidades da província. As dívidas  de guerra referentes à Guerra da Cisplatina (1825-1828) estavam sendo cobrados da província.

A falta de representação e de atendimento das demandas por parte do governo central, somado ao clima político efervescente na província, dominada pelos farroupilhas, contribuiu para o levante militar, que desembocou, posteriormente, na proclamação da República.